LEITURA LITERÁRIA E CONHECIMENTO LINGUÍSTICO: CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM [chapter]

Ernani Terra
2015 Língua, Literatura e Ensino  
Contextualizando o problema Com a Lei de Diretrizes de Bases (LDB n 0 5692/71), os estudos de lingua materna se dicotomizaram em duas disciplinas autônomas: língua e literatura, com ênfase na brasileira. Em diversas instituições de ensino, houve (e ainda há) até uma divisão triádica, e passamos a ter três eixos que, embora relacionados epistemologicamente, passaram a receber tratamento autônomo, em muitos casos, com professores distintos. A divisão língua, literatura e redação, posteriormente
more » ... nominada produção de texto, estava implantada. Os exames seletivos adotaram essa tripartição. Os livros escolares, idem. Do ponto de vista pedagógico, a tripartição não deve ser vista como ruim, se o traço comum que permeia essas frentes, a linguagem verbal, for o eixo organizador da prática pedagógica. Infelizmente, não foi isso a que se assistiu. Implantada a tripartição, a fenda entre as disciplinas foi progressivamente aumentando, a ponto de o Ensino Médio chegar a ter professores "especialistas" em cada uma das frentes. Quanto à língua portuguesa, salvo poucas exceções, o foco continuou a ser a gramática da frase, com sua nomenclatura específica. Texto e discurso são organizações transfrásticas. Uma abordagem da lingua que se situe no nível da frase não tem o condão de possibilitar aos alunos o desenvolvimento de competências textuais e discursivas. O estudo da literatura, em vez de se centrar no texto literário, continuou focalizado em sua história, com seus estilos de época, autores e obras. Ressaltamos que essa abordagem historicizante já havia sido deixada de lado desde a segunda metade do século passado por diversas correntes teóricas como a Nova Crítica e o Estruturalismo. Esse tipo de abordagem tem por consequência que excelentes autores de nossa literatura contemporânea acabam ficando fora do cânone escolar, não dando oportunidade de que escritores como sejam lidos no âmbito da escola. Tais autores só serão eventualmente lidos se constarem da lista de obras exigidas pelos vestibulares. Sobre a leitura de autores contemporâneos, já sustentávamos que como o ensino de literatura na escola, privilegia a história da literatura, destacando os chamados estilos de época (Barroco, Arcadismo, Romantismo etc.), o professor sente-se inseguro ao tratar desses autores, por não conseguir encaixá-los em nenhuma das "correntes literárias" estudadas no tradicional modo histórico-cultural de abordar a literatura. (TERRA,2014, p. 28) Na escola, a leitura do texto literário é feita normalmente para exemplificar características do autor ou do período e não costuma estar centrada nos procedimentos linguísticos que constroem seu sentido, como bem atestam os PCNs, ao afirmarem que "a história da literatura costuma ser o foco da compreensão do texto, uma história que nem sempre lhe serve de exemplo" (BRASIL, 2000, p.16). Dentro desse quadro, não propomos o fim da tripartição, nem que o professor de língua passe a ensinar literatura, ou vice-versa, mas uma integração dos estudos linguísticos com os literários, tendo como ponto de partida o texto. Os estudos gramaticais e a história da literatura devem ser deixados em segundo plano. A gramática deve ser articulada com as estratégias de compreensão e produção textual, servindo-lhe de suporte, e a literatura, integrada à área de leitura. Um dos eixos de integração Uma das formas para integrar os estudos literários como os linguísticos é trabalhar com os estudantes as formas pelas quais o enunciador se instala no texto e quais recursos de linguagem permitem ao leitor dar conta do contexto de produção. Maingueneau enfatiza que as teorias da enunciação linguística atribuem papel essencial à reflexividade da atividade discursiva e de modo particular às coordenadas implicadas por todo ato de
doi:10.5151/9788580391190-0003 fatcat:yol34whwgjdu5lrswqtefrv3qq