Jean Cocteau and Oedipus' daughter [chapter]
Jean Cocteau e a filha de Édipo

Maria do Céu Fialho
Antigone: the eternal seduction of Oedipus' daughter  
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Reagindo contra as formais representações da Comédie Française, Cocteau propõe um trabalho sobre o texto dramático de modo a obter um texto 'pobre', reduzido ao nervo, no contexto final, em cena, de um teatro total, em que o elemento musical e cénico (guarda-roupa) apresentam igual peso no espectáculo. A polémica instalada com a representação de Antígona teve a virtude de converter em questão do tempo, no rico e variado panorama da França de início dos anos 20, 'como actualizar os Clássicos' -o que viria a dar fruto, nos anos subsequentes, com propostas diversas de vários autores. Também Cocteau, reflectindo sobre a sua própria experiência, passando por vivências-limite, com a perda de Radiguet, o ópio, a proximidade e fascínio do 'outro lado do espelho', do anjo da morte, parente dos anjos rilkeanos, aprofundou a sua relação com os clássicos: o teatro grego e o mito passam a ser linguagem dessa sua mundividência, num teatro original, onde se cruzam referências culturais várias, a construir a grande metáfora dramática. Em La machine infernale, de inspiração livre em Rei Édipo e tocada por Édipo em Colono, Édipo, cego, sai para o exílio, no final da peça, acompanhado por duas vozes que se sobrepõem -a fantasmática, de Jocasta, e a de Antígona, que só se faz ouvir neste final. Tudo se passa como se, freudianamente, o ciclo de atracções incestuosas dos Labdácidas se perpetuasse. Palavras-chave: Cocteau, Antígona, avant-garde, Picasso, Honegger, resistência estética. Abstract -Written in Cocteau's youth, Antigone represents an intention to update the Classics where provocation is not entirely absent. Reacting against the formality of performances within the framework of the Comédie Française, Cocteau opts for a 'poor' text, reduced to its minimum. This controversial proposal raised qustions in France on how best to update the Classics. Cocteau used his own personal experience to deepen his relationship with classical texts. Greek theatre and myth became incorporated into his own language. C'est tentant de photographier la Grèce en aéroplane. On lui découvre un aspect tout neuf. Ainsi j'ai voulu traduire Antigone. A vol d'oiseau de grandes beautés disparaissent, d'autres surgissent; il se forme des rapprochements, des blocs, des ombres, des angles, des reliefs inattendus. Peut-être mon expérience est-elle un moyen de faire vivre les vieux chefs-d'oeuvre. A force d'y habiter nous les contemplons distraitement, mais parce que je survole un texte célèbre, chacun croit l'entendre pour la première fois. 90 Maria do Céu Fialho Estas palavras antecedem o texto da peça na sua publicação e cumprem um duplo fim: por um lado, chamar a atenção do leitor para o tipo de texto com que se vai defrontar -uma 'tradução', não uma reescrita livre -, por outro lado, bem dentro do espírito de rebeldia provocatória de Cocteau, elas deixam trair que não se trata de uma tradução fiel, mas de um texto aplanado, empobrecido, com o fim de provocar uma experiência de novidade quanto à tragédia de Sófocles. As imagens de voo e de fotografia aérea sugerem o distanciamento, o desprendimento do pormenor, mas a perspectiva de conjunto realçada. E é nessa perspectiva de conjunto, realçada pelo distanciamento, que Cocteau procura resgatar o efeito de novidade. Estamos na França de inícios dos anos vinte. A geração de jovens intelectuais do tempo, herdando essa sede de auto-afirmação, vinda da Europa de fin de siècle e potenciada pela experiência de fim de época, correspondente ao termo de uma guerra recente e mortífera, vive com intensidade e euforia criadora, por vezes, um novo tempo, a que responde com propostas diversas: desde um neo-conservadorismo, a uma procura por novas formas de expressão artística que rejeitam o realismo naturalista do século que findou e que podem perseguir o sonho da forma em si, do absolutamente novo. Estas formas cortam, provocatoriamente, com as amarras à referência do real, dando primazia a um nihilismo de non-sense, rompendo com padrões do estético compreensível, trocados pela manifestação iconoclasta gratuita, como o efémero mas ruidoso Dadaísmo de Tristan Tzara e de Francis Picabia, ou alargando o sentido de 'real' aos possíveis do inconsciente onírico. Esta tendência percebe-se já nos anos de uma guerra desgastante, da qual não vão, verdadeiramente, sair vencidos nem vencedores, mas uma paisagem global de desgaste. Logo no ano subsequente ao Armistício o Dadaísmo cria raízes em Paris (1919)(1920). De facto, o grupo da revista Littérature, fundada por André Breton e Aragon, favoreceu, num primeiro tempo, a aproximação ao grupo de dadaístas, mas distanciou-se, num segundo tempo. A ruptura dá-se em 1922. André Breton e o seu grupo, marcados pela valorização freudiana do onírico, entendem a função e a natureza da arte como algo mais profundo do que a mera iconoclastia e o efeito de surpresa pelo choque e pela agressão estética. Os fundadores de Littérature vieram, assim, a tornar-se nos mentores do Surrealismo, cujo Manifesto é lançado por Breton em 1924 1 . O termo havia sido criado por Apollinaire (1917), no contexto da sua polémica
doi:10.14195/978-989-26-1111-2_4 fatcat:b6kazf5cr5avjnxqeggo3fltem