Estado democrático de direito e administração pós-colonial da diferença: o problema da tutela

Rene Costa Silva
2009 Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização  
Resumo Com a Constituição de 1988, o Estado Brasileiro foi redefinido como pluriétnico, inserido num contexto plurijurídico. Paradoxalmente, esses avanços não se materializaram numa melhoria da situação social e política dos grupos étnicos minoritários. Ao contrário, esses novos elementos foram ressignificados para manter o sistema hierárquico e desigual da sociedade brasileira. A tutela foi um dos principais mecanismos utilizados neste processo. Palavras-chave: Direito Internacional. Tutela.
more » ... versidade. Grupos Étnicos. Minorias. 1 Introdução A legislação internacional, desde a Segunda Guerra Mundial, na esteira da força política e da legitimidade que os preceitos dos Direitos Humanos alcançaram na defesa de indivíduos e povos subordinados de todo o mundo, vem se constituindo em instrumento significativo de transformação dos sistemas normativos no interior dos Estados-Nação. O Brasil não ficou alheio a esse processo, haja vista o significativo alinhamento que nosso ordenamento sofreu à luz da forte influência do Direito Internacional, dos muitos tratados, convenções, acordos e protocolos subscritos pelo Estado brasileiro. O impacto desse processo provocou, no caso brasileiro, junto a uma série de outros elementos, a redefinição do desenho constitucional do país e a consequente necessidade de reorientação das relações do Estado Estado democrático de direito e administração pós-colonial da ... Tais deslocamentos abriram significativas fendas nas estruturas historicamente hegemônicas de poder, o que permitiu o desenvolvimento de mecanismos de proteção (jurídicos e sociais) efetivos dos modos de ser, viver e existir das diferenças, definidas sociopoliticamente como os outros do poder. Tais instrumentos se tornaram ferramentas importantes, particularmente para grupos sociais minoritários ou marcados etnicamente. Consubstanciou-se para eles a possibilidade concreta (como no caso dos quilombolas, por exemplo) de se beneficiarem de uma nova modalidade de apropriação (definitiva e coletiva) da terra baseada no artigo 68 do ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), ou no esvaziamento da tutela como mediadora das relações jurídicas do Estado com as sociedades indígenas. Contudo, intriga-nos um paradoxo, pelo menos, o que aparenta ser um paradoxo: quanto mais tais redirecionamentos abriram espaço para uma gramática discursiva fortemente pautada pela necessidade de respeito, ações e medidas de promoção da igualdade e dignidade desses grupos sociais, menos se conseguiu viabilizar, todavia, no interior do poder público, uma política étnica definida. Pelo contrário, como já foi assinalado em outros lugares, 3 no momento em que se esperava um grande avanço 4 , no âmbito do Estado, da adoção de uma política étnica ou mesmo de ações governamentais sistemáticas, isso não aconteceu. Ou seja, as ações políticas para tais populações não deixaram de ser desarticuladas, fragmentadas, descontínuas e desorganizadas. Produziu-se, diferentemente, paralelo a esta 'modernização' do corpo jurídico máximo da nação, uma indisfarçável desorganização nos aparelhos de estado definidos ou incumbidos da tarefa de enfrentarem esta questão. Multiplicam-se, por sua vez, as agências e instituições responsáveis, direta ou indiretamente incumbidas por elaborar e implementar ações, políticas públicas ou projetos orien-
doi:10.5102/prismas.v6i1.706 fatcat:fjo6lygugnbz7nhg3nns2ftpwm