Francis Bacon e as marés: a concepção da natureza e o mecanicismo

Pablo Rubén Mariconda
2007 Scientiae Studia  
Esta breve introdução visa duas tarefas ao mesmo tempo: primeiro, informar sobre a época provável de composição e o lugar ocupado, no conjunto da obra de Francis Bacon (1561-1626), pelo pequeno tratado intitulado De fluxu et refluxu maris (Do fluxo e refluxo do mar); segundo, expor a solução que nele se apresenta para o problema das marés, mostrando tratar-se de uma solução que se alinha ao estilo mecanicista da primeira metade do século xvii em sua negação da possibilidade de uma ação a
more » ... ia por parte da Lua, muito embora defenda uma tese geocêntrica e geoestática que se opõe ao copernicanismo. A investigação de Bacon sobre as marés -o fluxo e refluxo das águas do mar -é um caso particularmente relevante, porque nos coloca de imediato fora de um conjunto bastante usual de objeções à contribuição de Bacon para o desenvolvimento da ciência moderna, objeções que tendem a considerá-lo como ideólogo da ciência nascente, propagandista da união entre a ciência e o poder, visionário elaborador de instituições científicas, desenvolvedor e proponente do novo método científico mas, ainda assim, um autor que não se debruça sobre objetos propriamente científicos, que definitivamente não faz ciência. Ora, as marés são, nesse sentido preciso, um caso a parte, pois, em seu curto ensaio, Bacon oferece um tratamento para um objeto científico que, em sua época, não tinha ainda uma explicação racionalmente aceitável e que mobilizava um amplo conjunto de conhecimentos ligados à navegação e aos navegantes: conhecimentos das estrelas, das terras e das costas, mas também de roldanas, velas e lastros, ventos e brisas, e também de canais, rios e correntezas. As marés mobilizam, assim, um amplo conjunto de conhecimentos astronômicos, mecânicos, geográficos e cartográficos, produzidos sob condições especiais de coleta, pois consiste, com efeito, em um amplo conjunto de relatos observacionais (que devem ser colocados na categoria de conhecimento observacional indireto), consignados nas estórias dos navegantes, que são o resultado de uma prática observacional desenvolvida sistematicamente, no momento em que Bacon escreve, por mais de um século.
doi:10.1590/s1678-31662007000400004 fatcat:3vtnkiufp5hxhhstgdcfb3plka