Do ponto de vista da espécie
José Costa Jr.
2019
História, Ciências, Saúde: Manguinhos
Durante o desenvolvimento de sua hipótese sobre a origem da diversidade da vida, Charles Darwin passou a conceber uma possibilidade estranha ao seu tempo: a ideia de que os seres humanos seriam integrantes do reino animal, numa existência passível de explicação "natural". Identificou o conjunto de questões que essa possibilidade abriria como "metafísica da moral": "O homem viria de macacos?" -questionou a si mesmo. E respondeu: "O homem em sua arrogância pensa em si como uma obra grandiosa,
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... a da intervenção de uma divindade. É mais humilde -e mais verdadeiro, acredito -considerar que foi criado a partir de animais" (Darwin citado em Browne, 2007, p.50). Para muitos, a visão darwiniana o aproximava (e ainda aproxima) perigosamente de uma filosofia materialista, doutrina de ordem metafísica que busca explicar a natureza geral da realidade desconsiderando forças sobrenaturais. Darwin identificou dúvidas e questionamentos sobre as implicações antropológicas de sua hipótese como "tumultos morais". Tais tumultos envolviam questões antropológicas de fundo, como o lugar da liberdade, do pensamento e da moralidade. Se somos "apenas animais", como explicar as características distintivas da humanidade? Não seremos mais dignos de consideração e respeito? Como explicar o sentido da realidade e de nossa existência sem quaisquer referências a ordens que nos transcendem? Conforme o filósofo francês Jean-Marie Schaeffer (1952-), essa tensão não ficou restrita ao tempo de Darwin e nem aos círculos religiosos. Em El fin de la excepción humana, Schaeffer (2009) argumenta que, mesmo passado mais de um século e meio da publicação de A origem das espécies, muitos de nós ainda nos mantemos desconfortáveis com as implicações da hipótese darwiniana para a compreensão da humanidade. No entanto, o que mais surpreende é que até mesmo os especialistas em ciências humanas, aqueles que buscam ampliar a compreensão acerca do que somos e como vivemos de um ponto de vista laico, tendem a se afastar e revisar hipóteses antropológicas que envolvam a compreensão
doi:10.1590/s0104-59702019000400024
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