Cuiabá: o encontro dos olhares. Uma visão sociossemiótica das culturas cuiabana e gaúcha [thesis]

M. J. D. A. C. Patatas
SUMÁRIO Resumo Resume Abstrat Agradecimentos 1 Introdução 5 RESUMO Este trabalho analisa em uma perspectiva sociossemiótica os olhares dos gaúchos sobre a cultura cuiabana e dos cuiabanos sobre a cultura gaúcha, no espaço urbano de Cuiabá, onde as diferenças são marcantes e, portanto, mais visíveis os confrontos culturais. Para tanto, foram realizadas entrevistas semi-abertas com informantes representativos dos dois segmentos culturais, selecionados por faixa etária, sexo e escolaridade. Para
more » ... lhor compreensão das tensões existentes entre os grupos, foi realizada a análise quantitativa do léxico por possibilitar o estabelecimento dos graus de aceitação / rejeição dos conceitos de cultura, tradição e progresso de ambos os grupos nos confrontos de valores da sociedade capitalista. Foi utilizado o programa Wordsmith Tolls, escrito por Mike Scott e publicado pela Oxford University Press. Para análise qualitativa foram usadas as teorias de Greimas, Coseriu e Pais. ABSTRACT This work analyzes in a socio-semikotics perspective the looks of the gauchos on the cuiabana culture and of the cuiabanos on the culture gaúcha in the urban space of Cuiabá, where the remarkable differences are e, therefore, more visible the cultural confrontations. For in such a way, half-open interviews with representative informers of the two cultural segments had been carried through, selected for age, sex and schoolship. For better understanding of the existing tensions between the groups, the quantitative analysis of the lexicon for making possible the establishment of the acceptance degrees was carried through acceptability/rejection of the culture concepts, tradition and progress of both the groups in the confrontations of values of the capitalist society. The program Wordsmith Tolls, written for Mike Scott and published by the Oxford University Press was used. For qualitative analysis the theories of Greimas had been used, Coseriu and Pais. Words key: to look at, culture, tradition, progress, cuiabano and gaúcho AGRADECIMENTOS A Deus, pela oportunidade e pelo privilégio que nos foi dados em compartilhar tamanha experiência e, ao freqüentar este curso, perceber e atentar para a relevância de temas que não faziam parte em profundidade, das nossas vidas. Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Cidmar Teodoro Pais, pelo constante incentivo e paciência, sempre indicando a direção a ser tomada nos momentos de maior dificuldade. A todos os professores e seus convidados pelo carinho, dedicação e entusiasmo demonstrado ao longo do curso. À Prof. Drª. Maria Margarida de Andrade e Prof. Dr. D'O1im Marote, pelas sugestões minuciosas e precisas. Às minhas colegas e amigas Rosiane e Bel pela espontaneidade e alegria na troca de informações e materiais numa rara demonstração de amizade e solidariedade. À Sandra pela ajuda e compreensão nas horas difíceis. A minha comadre Fernanda, pela moradia que me ofertou durante a minha estadia em São Paulo, pelas palavras de ânimo, incansável disposição para nos auxiliar e incontáveis favores a mim prestados. Ao meu compadre Florisvaldo pelo incentivo quando precisei de ânimo: Às minhas filhas Zita, Lui e Teka pelo carinho. A meus netos Ariana, Rafael, Mikail, Douglas, Jéssika, Yann e Daniella por me incentivarem. Ao meu amado filho Pietro pela compreensão de minhas falhas e ausência em horas difíceis. Aos cuiabanos e gaúchos que de bom grado se prontificaram a dar as entrevistas que compõem o corpus deste trabalho. Finalmente, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização As diferenças culturais levaram tanto os forasteiros como os cuiabanos a reações diferentes. Os gaúchos implantaram, como é de praxe, os CTG, e os cuiabanos tentaram marcar seu território criando seu centro de preservação de sua cultura -o Muxirum -que talvez pelo caráter elitista, não sobreviveu. No entanto, nesta mesma sociedade, antes dos migrantes sulistas chegarem, segundo Marina Muller e Dunga Rodrigues (1994:l9), "as casas eram ombro a ombro, geminadas, à beira da rua" e a palavra vizinhança tinha um sentino diferente do de agora, para o cuiabano. Representava, pequenos deveres e obrigações, nao explícitas ou especificadas em código, dos que habitavam casas que se comprimiam nesse 7 quarteirao ou ruas adjacentes. Isto gerava o hábito das familias se sentarem à porta de rua, colocando cadeiras nas calçadas, formando uma roda esticada com a presenca dos vizinhos de lado e da frente, para conversarem, antes do pôr-do-sol. Hoje, as casas não são mais geminadas. Os imigrantes sulistas mudaram a paisagem, As as casas, atualmente, se isolam entre muros que cercam imensos terrenos, ou se verticalizam, para garantir a segurança. Os cuiabanos ressentem-se das mudanças trazidas pelos sulistas. Por outro lado, os sulistas, em sua maioria, parecem nao ter entendido esse modo de viver tão peculiar. Assim, justifica-se o interesse pelo tema "Cuiabá: o encontro dos olhares. Uma análise sociossemiótica das culturas cuiabana e gaúcha," manifestado no discurso dos entrevistados, sendo a pesquisa relevante social e historicamente não só pelas características frásticas, como também pelas estruturas narrativas: as relações actanciais, percursos do sujeito e programas narrativos, relações interdiscursivas e temporais de enunciação/enunciado, a semântica profunda: axiologia, sistema de valores. A produção dos textos dos entrevistados do ponto de vista da estrutura hiper-profunda, frástica e transfrástica envolve processo de produção de conceptusmodelos mentais -no que concerne à semântica cognitiva {RASTIER.,1991}. Assim toma-se possível descortinar os verdadeiros sentimentos que, reciprocamente, nutrem os dois grupos. 2. REFERENCIAL TEÓRICO. A Lingüística, enquanto ciência, teve início com os estudos sobre o signo realizados por Saussure e Hjelmslev. Estes trabalhos possibilitaram determinar os limites da semiótica, desfazendo a confusão gerada pela semelhança com outras ciências de radical semelhante e objetos de estudo próximos. Já a Lingüística é o estudo científico da linguagem humana, podendo ser considerada um ramo da Semiótica, ciência da significação, pois é através da conservação, transformação, e aprendizagem da cultura que se realizam as práticas sociais e que se organizam segundo " sistemas de signos". Segundo Lopes, (l993:16 ), a Semiótica estuda a "realidade cultural" de uma comunidade. Palavra de origem grega (semêion )pode ser traduzida por signo, sinal ou sema o que deve ter levado à imprecisão do sentido que vigorou durante bastante tempo. Aristóteles introduziu o signo no âmbito da Lógica e da Retórica definindo-o como "premissa que leva a uma conclusão", denominando-o de símbolo. Para os estóicos, o signo era composto por semainon (parte perceptível), semainamenons ou lekton ( o significado ) e tygchamon ( objeto referido ). Para os epicuristas, o signo comportava dois elementos (diádico ): o semanon ( significante ) e o tygchamon ( objeto referido). Santo Agostinho realizou, no século III dC, estudos sobre o signo e considerou de grande valor para os estudos semióticos a existência dos signos verbais (convencionais) e não verbais (naturais ). Assim surge, para o signo, uma definição metonímica por ser, no âmbito teológico, a parte da realidade espiritual que domina o universo. Então, signo "é a parte material, visível, de uma realidade espiritual mais vasta invisível"( Greimas,1978: 215). Durante os séculos X e XV, o estudo do signo foi influenciado pelo pensamento aristocrático que se opunha ao pensamento patrístico, que reconhecia a existência de trêscampos: a filosofia natural, a filosofia moral e a ciência dos signos, ciência racional, também denominada Lógica. São responsáveis pela distinção entre denotação e conotação, e entre signo, símbolo e imagens. No Renascimento, o signo deixa de ser parte do objeto tornando-se seu objeto. Em 1659, segundo Noth, (1995:25 ), o filósofo alemão Johannes Schulteu concebeu 11 uma doutrina dos signos e do significado, que tinha por título Semeiologia Metaphysikê . Já em 1690, o filósofo inglês John Locke realizou em seu Essay on humman understanding (1690: 230) a formulação de uma teoria dos signos que foi por ele denominada de Semeiotike. No final do século XIX, Pierce concebeu o signo de forma triádica: constituído por um representamen, que o receptor percebe, o objeto que é o referente, o elemento material ou mental que o representa e o interpretante que é a significação. Saussure apresentou, na mesma época, as concepções sobre langue e parole, diferenciou sistema, paradigma e sintagma, diferenciou as relações mantidas pelos signos entre si, no enunciado. Elaborou os conceitos de anacronia e diacronia. Também retomou a concepção didática de signo, o conceito (significado) e a matéria fônica, significante. Em 1969, a Associação Internacional de Semiótica, representada por Jakobson, oficializouaSemiótica como ciência geral, e adotou a metateoria da qual iriam depender as semióticas objeto. A palavra, lexia, é suscetível de ser estudada no eixo paradigmático e sintagmático, sendo que no primeiro observam-se as comutações possíveis no mesmo segmento do enunciado, ou seja, contexto lingüístico intrafrástico. No segundo, examinam-se as possibilidades combinatórias da palavra na cadeia falada, com as variáveis de significação no percurso sintagmático, os diferentes efeitos de sentidos que daí resultam. O processo de atualização é antecedido pelo discurso manifestado, ou seja, após a conceptualização e lexemização, processo que vai do nível pré-linguístico ao semiótico, ou melhor, o nível dos signos e leis combinatórias que pertencem ao grupo sócio-linguístico-cultural. Em que os signos são selecionados e os enunciados organizados. No processo de atualização lingüística são organizados, num percurso sintagmático exclusivo, signos e regras comuns a todos os membros do grupo. De forma a poder dar conta de uma experiência e transmitir essa análise ao próprio falante "diálogo interior" e a outros falantes. A Semiótica é um projeto científico que visa "explicitar, sob a forma de construção 3. -DA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS E DA METODOLOGIA 3.1 DA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS O corpus analisado é constituído por doze entrevistas, seis realizadas com cuiabanos e seis com gaúchos, selecionadas de um universos de 80.Os critérios de seleção foram: escolaridade (nível superior completo) e faixa etária (35 a 45 anos). Todos os informantes foram convidados a participar e sabiam a finalidade a que se destinavam as entrevistas. Foram gravadas em gravador de voz e depois transcritas em forma de textos, que se encontram no Anexo 3 3.2 DA METODOLOGIA Corpora, para Berber Sardinha (2004), são conjuntos de dados lingüísticos textuais que foram coletados criteriosamente com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade lingüística. O autor, ao elencar os principais corpora compilados ou em compilação disponíveis atualmente para o estudo da linguagem, destaca como marco histórico de referência o corpus Brown (Brown University Standard Corpus of present-day American English) , o Birmingham (Birmingham University International Language Database) e o BNC (British National Corpus). Para cada estudo lingüístico específico, será necessário um tipo de corpus adequado: geral ou especializado, sincrônico ou diacrônico, histórico, de amostragem ou monitor, dinâmico ou estático, falado ou escrito, equilibrado, especializado, regional, de aprendiz, multilíngüe, paralelo, alinhado, de treinamento. Quanto ao tamanho, pode ser pequeno, pequeno-médio, médio, médio-grande e grande, sendo que um corpus pequeno tem menos de 80 mil palavras e um grande, 10 milhões ou mais palavras. Existem hoje, à disposição dos pesquisadores, muitos corpora compilados para estudos da linguagem, porém, para estudos de gêneros particulares, pode o pesquisador necessitar de textos que não sejam parte de corpora disponíveis; dessa forma, há necessidade de compilação de seu próprio corpus. Kennedy (1998) aponta como estágios necessários na compilação o desenho do corpus, em que são estabelecidos os objetivos do estudo e a coleta dos dados. Com base nesses pressupostos, constituiu-se nosso corpus de pesquisa, um corpus especializado, com textos resultantes das entrevistas realizadas com cuiabanos e gaúchos, doze textos, sendo seis de cuiabanos (Cacilda, Cleide, Darley, Estevina, Flores e Vera) e seis de sulistas (Alzira, Flávio, Francisco, Nair, Rita e Sérgio). 157
doi:10.11606/t.8.2007.tde-01082007-144847 fatcat:bsotgm7cgjhz3e5bo5jqycwjoa