A "ANTI-AUTOBIOGRAFIA" DE PIERRE BOURDIEU

Carolina Pulici
2006 unpublished
Para aqueles que achavam que com Homo Academicus (1984) e Meditações Pascalianas (1997) Pierre Bourdieu (1930-2002) já havia levado ao limite a análise sociológica do mundo intelectual, esquadrinhando os princípios classifi catórios e as relações de força simbólicas que atravessam o ambiente acadêmico francês, Esboço de Auto-Análise é sem dúvida o fecho mais coerente que se poderia esperar de uma obra que tanto criticou o fato de muitos intelectuais interrogarem o mundo e poucos intelectuais
more » ... errogarem o mundo intelectual. Inscrito nessa vertente de sua obra marcada por uma maior refl exividade, por uma sistemática volta crítica sobre os princípios e os condicionantes do trabalho (e da condição) do intelectual, o último livro de Bourdieu publicado no Brasil se distingue, no entanto, dessas análises anteriores na medida que toma por objeto de refl exão sua própria trajetória social e acadêmica, colocando-nos diante do percurso de um autor que está, ao mesmo tempo, na condição de informante, numa iniciativa notável de mostrar que a objetivação do "jogo" intelectual não se realiza senão sob a condição de colocar em "jogo" o próprio pertencimento ao "jogo". A epígrafe provocativa "Isto não é uma autobiografi a" anuncia, de saída, que o que será oferecido ao leitor foge, tanto pela forma quanto pelo conteúdo, àquilo que convencionalmente associamos ao gênero autobiográfi co. Basta, para nos convencermos disso, atentar para a própria forma como o livro foi organizado. Em lugar de iniciar com o relato de sua situação de família, de sua trajetória de homem de origem modesta e provinciana "salvo" por um êxito escolar que beira o implausível, Bourdieu toma como ponto de partida aquilo que as obras que se valem de material biográfi co tendem a manter em silêncio: o campo de posições concorrentes no qual e contra o qual cada um se fez. Mobilizando a própria experiência acadêmica para fazer valer a proposta de trabalho que ele mesmo havia apresentado de forma exaustiva em As Regras da Arte (1992), empreende uma leitura de seu projeto criativo que se orienta pela indagação de como, dados uma trajetória social e o modo de ver o mundo a ela associado, pôde
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