Corpo e ginástica num Rio de Janeiro-mosaico de imagens e textos 1
Andrea Moreno
1984
unpublished
Resumo: O presente texto resulta da tese de doutorado (em Educação) da autora e parte da constatação da ausência de registros/referências à ginástica (sueca) em textos e periódicos da cidade do Rio de Janeiro, no período entre o fim do século XIX e início do XX. A ginástica teria sido recusada pela vocação a cultura da liberdade, a festa e o prazer dos muitos "povos" que compunham as classes populares da sociedade fluminense, tendo ficado restrita à instituição escolar, frequentada pela elite.
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... bstract: Este estudo narrou parte de uma possível história da Educação Física brasileira, que se passou entre fins do século XIX e início do século XX, no Rio de Janeiro. Digo possível baseando-me na concepção de história benjaminiana 3 para quem a narração sobre o passado é sempre uma versão e nunca uma verdade. Falo de um tempo e um espaço em processo de mudança. Para apreendê-las em sua amplitude e profundidade dialoguei com várias formas de produção cultural: a literatura, as artes plásticas, a produção acadêmica. Procurei, estar atenta aos detalhes, às ausências, ao dito para além dos espaços de poder. Buscando inspiração não só no que foi dito e feito mas também no que foi desejado e oprimido. Fui movida, primordialmente, pela questão: por que a ginástica não esteve no cotidiano do homem fluminense na Belle Époque? Bakhtin 4 , ao estudar a língua, dirá que a língua está sempre próxima dos grupos que a constituem. Entendendo a ginástica como uma das formas de linguagem corporal, poderia ela, por ser um "método estrangeiro" 5 , portanto estranho ao povo fluminense, nunca ter se colado a este? Essa questão me remetia à outra, estimulada por Benjamin, a pensar a ginástica como "monumento da cultura", portanto como "um monumento da barbárie" 6. Começava a pensar a dimensão negativa da transmissão da cultura... transmissão do modelo europeu de exercitar o corpo! Por que nas revistas culturais que tematizavam o esporte, o teatro e outras práticas, as notícias referentes à ginástica eram ausentes 7 ? O que explica o fosso entre sua presença nos compêndios da Educação Física e nas teses defendidas do período 8 , e as outras fontes? Essa ausência vinha acompanhada de outras presenças. O turfe e as regatas, os quais vão aparecer tão fortemente no cotidiano da vida fluminense 9. Teriam eles mais a ver com a alma fluminense? Se a ginástica sueca 10 , que vai ganhar a defesa de políticos como Rui Barbosa, não contaminou o cotidiano da vida fluminense, por que isso aconteceu? Terá sido a ginástica pensada como o trabalho, antídoto da vagabundagem? Uma ginástica, cujo resultado está no porvir, que usurpa o direito de ser jogo, brincadeira, até luta-poderia contaminar um povo cujas características eram tão diferentes? Existia também a capoeira. O que ela era naquele momento? O que falavam os gestos do capoeira? Teria sido rechaçada por trazer toda uma inversão de mundo, impossível de servir como prática que esquadrinhasse o 1 Tese de doutorado, orientada pela Profa. Carmen Lucia Soares defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP, em 23 de março de 2001.
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