Carta XIV: sobre a geração dos animais
Pierre-Louis Moreau de Maupertuis
2004
Scientia Agricola
CARTA XIV Sobre a geração dos animais Os antigos acreditavam que o homem e a mulher tinham uma participação igual na obra da geração, que o feto era formado na matriz pela mistura dos licores seminais dos dois sexos sem que soubessem e sem que se preocupassem muito em investigar como a coisa se produzia. A dificuldade para compreender como um corpo organizado podia formar-se fez os físicos modernos acreditar em que todos os animais, todas as plantas e todos os corpos organizados eram tão
more »
... quanto o mundo; que, totalmente formados em scientiae zudia, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 129-34, 2003 Pierre-Louis Moreau de Maupertuis scientiae zudia, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 2004 miniatura desde o tempo da criação, não fizeram desde então e não fariam depois nada além de se desenvolver e crescer. De modo algum examino se esta opinião tem efetivamente algo de mais filosófica do que aquela que admite novas formações; se, reconhecendo a ação de Deus como necessária para a formação dos animais, é mais simples conceber que Ele tenha criado no mesmo instante todos os indivíduos do que pensar que os criou em tempos sucessivos; se se pode mesmo dizer que haja para Deus alguma sucessão de tempo. Ver-se-á, creio, examinando essas questões, que o sistema dos desenvolvimentos não possui nenhuma vantagem real, sem falar da dificuldade em que se encontra em sustentar tantas ordens inconcebíveis de pequenez real em todos esses seres organizados contidos ao infinito uns dentro dos outros. Partindo, entretanto, desse princípio de uma formação simultânea de todos os indivíduos, os filósofos modernos dividiram-se em duas opiniões e formaram dois sistemas. Uns, considerando que todo um gênero de animais saia do ovo, acreditaram que todos os animais deviam ter a mesma origem; e olhos predispostos por essa idéia viram ovos no que até então havia sido tomado apenas como os testículos da mulher e das fêmeas dos animais quadrúpedes. Outros, tendo descoberto ao microscópio pequenos corpos animados nas sementes dos machos, de modo algum duvidaram que esses corpos fossem os próprios animais que deveriam nascer. Alguns destes últimos, admitindo ainda os ovos, os consideraram apenas como o domicílio e o alimento do pequeno animal que ali se aloja; os outros negaram absolutamente os ovos e acreditaram que o animálculo, depositado na matriz, nela encontrava todo o alimento que precisava. Eis, então, num desses sistemas, todos os homens contidos de mãe em mãe no ovário da primeira mulher; no outro, ei-los todos contidos de pai em pai na semente do primeiro homem. Todas as gerações ou, a partir desses autores, esses armazéns do gênero humano foram e serão apenas desenvolvimentos. Encontramo-nos hoje obrigados a abandonar esses dois sistemas, que raciocínios precipitados e experiências feitas incompletamente nos haviam feito adotar. Um autor, tão grande físico quanto espírito vasto e profundo, acaba de provar, através de observações incontestáveis, que o ovo da mulher e dos quadrúpedes era uma quimera e que o animálculo espermático não poderia ser o feto. Esse pretenso ovo que, após a fecundação, deveria destacar-se do ovário e ser conduzido à matriz pelas trompas de Falópio, o Sr. de Buffon, após havê-lo procurado com esse olho ao qual nada escapa, viu que ele não existia e descobriu um outro fenômeno. Na época em que as fêmeas entram no cio, ele viu, sobre seu testículo, esses corpos glandulares, que alguns anatomistas haviam tomado pelo ovo, formar-se, crescer, abrir-se e deixar escorrer um líquido no qual percebeu os mesmos animálculos ou os mesmos glóbulos animados que se tinha tomado por animais na semente do macho.
doi:10.1590/s1678-31662004000100006
fatcat:eqwwqqykmjc2baal35cwqgxcmi