DA INSCRIÇÃO AO APAGAMENTO: MEMÓRIA E MORTE

Lenise Grasiele de Oliveira
2009 Memento  
O simbólico torna o homem um ser fundado na linguagem, já que, após o seu nascimento, ele se insere no mundo dos símbolos. Ao sair da simbiose que o une ao corpo da mãe, o ser é invadido pela ordem simbólica, dela se tornando refém. Se a língua o castra, é ela mesma que lhe garante a sobrevivência. E uma das propriedades do simbólico é a capacidade de se distanciar do real para que esse possa ser simbolizado. Na morte, a inserção simbólica se constitui como fundamental ao estabelecimento da
more » ... m psíquica, já que a morte real não é assegurada apenas no plano imaginário e ou biológico. O túmulo/signo comprova soberania do simbólico sobre o real. O indivíduo só morre nos rituais, é o que nos diz os africanos. Sem a demarcação simbólica não há morte. Portanto, o cadáver se encontra à mercê da escrita. E a lápide irá assegurar a cessação da vida, ela institui o marco de um fim. A morte no simbólico é mais real que a morte real. A preocupação precípua de enterrar os mortos atesta o nascimento da civilização, marca a vitória do simbólico sobre a morte. Em uma tentativa de duelar contra a deteriorização do corpo ao longo dos tempos, o homem cede à inserção simbólica, pois ela garante representação e sentido ao nada. É a putrefação da carne a grande inimiga que precisa ser combatida. Assim, manter o real a determinada distância ameniza o impacto que a morte provoca na realidade. Vida e Morte da Imagem (1994) é a entrada teórica escolhida para iniciarmos uma reflexão sobre a História da Morte. A obra de Régis Debray postula que a imagem tem sua nascente nos túmulos. Portanto, a imagem/arte seria uma necessidade inerente ao homem, já que esse recusa o estado de nadificação que o corpo adquire com a morte. O nada é a via de negação da particularidade humana. Superar essa negação cria a necessidade de ritualizar o momento da morte e conduz à personalização da sepultura como local destinado a perpetuar a memória do morto. Sendo assim, o aniquilamento é interditado no plano narcísico, uma vez que o narcisismo possui uma incapacidade para aceitar o pertencimento à premissa aristotélica: "Todo homem é mortal." Premissa que, no inconsciente, é registrada com ressalvas: todo homem é mortal, menos eu. Isso acontece porque a inadaptação humana consiste em não aceitar seu destino no ciclo inexorável da existência.
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