Interface arte, saúde e cultura: um campo transversal de saberes e práticas

Elizabeth Araújo Lima, Eliane Dias de Castro, Renata Monteiro Buelau, Isabela Umbuzeiro Valent, Erika Alvarez Inforsato
2015 Interface: Comunicação, Saúde, Educação  
Interface arte, saúde e cultura: um campo transversal de saberes e práticas Para curar a subjetividade contemporânea, dopada e em vias de petrificação, seria preciso que receitássemos poesia como se receitam vitaminas. É o que escreveu Felix Guattari 1 no livro que publicou com Suely Rolnik, Micropolíticas: cartografias do desejo, afirmando, assim, a poesia, a sensibilidade e a criação artística como ferramentas privilegiadas de produção de saúde em nosso tempo. Os atravessamentos entre a
more » ... ão cultural e as práticas em saúde têm, no Brasil, uma longa história. Já na década de 20 do século passado, enquanto Mário de Andrade escrevia um livro intitulado Namoros com a Medicina, o psiquiatra Osório César publicava críticas de arte nos jornais. Algum tempo depois, Nise da Silveira estimulava e produzia a primeira montagem de um texto de Artaud no Brasil, dentro de um Hospital Psiquiátrico; enquanto o crítico de arte Mário Pedrosa desenvolvia a ideia de que a principal finalidade de uma ocupação artística persistente e sistemática não é a produção de obras-primas. O mais importante, dizia ele, é o que adquire com tais atividades a pessoa que as realiza, o que essas atividades produzem numa vida 2 . No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com a abertura política, as relações entre arte e saúde sofreram um novo impulso no Brasil. O fortalecimento dos movimentos democráticos e, em particular, o Movimento da Reforma Sanitária, que culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), modificaram a compreensão de saúde, que passou a ser entendida como direito fundamental. Esta transformação instaurou um campo de práticas inovadoras, fortalecendo ações interprofissionais e intersetoriais, e envolvendo a vida cotidiana das comunidades. Em consonância com essas conquistas, a organização das pessoas com deficiências reivindicou e buscou assegurar oportunidades de acesso para o exercício dos potenciais criativo, artístico e intelectual de todos os cidadãos. No âmbito da saúde mental, os novos modos de atenção criados no contexto da Reforma Psiquiátrica contribuíram para o fortalecimento de práticas no campo sociocultural, ao proporem uma clínica voltada para a potencialização da vida. Inventar novos modos de viver e novas sensibilidades implicou exercícios estéticos e uma articulação potente com o campo das artes e da cultura, dando lugar a um variado número de experiências culturais, artísticas e de lazer viabilizadas por meio de políticas intersetoriais. É importante, ainda, apontar que, a partir da década de 1990, foram criados, nas cidades de São Paulo, Santos e Campinas, os Centros de Convivências. Em São Paulo, a proposta dos CECCOs (Centros de Convivência e Cooperativa) previa uma articulação entre as Secretarias Municipais de Saúde, Cultura e Esporte, e os Parques e Áreas Verdes da cidade. Abertos ao público em geral, esses serviços persistem até a atualidade e recebem também encaminhamentos de unidades de saúde, buscando promover a convivência por intermédio da participação em grupos, oficinas e ateliês de práticas artísticas e corporais. No início dos anos 2000, o campo da cultura também sofreu deslocamentos importantes. As políticas públicas culturais passaram a incluir, em sua pauta, a diversidade e a participação ativa na vida cultural como direito, favorecendo a criação de novos debates e o desenvolvimento de ações em parceria com o campo social e da saúde. O papel do Estado foi, com isso, recolocado como potencializador da força criativa já existente em cada canto do país, especialmente, nas áreas de maior vulnerabilidade e risco social, apoiando-se sobre os eixos da criação e expressão, livre acesso, difusão e participação nas decisões de política cultural 3 .
doi:10.1590/1807-57622015.0680 fatcat:wrl6il7p5jd3zpxwu5nt6vfv4e