A Infância dos pobres no Brasil da modernidade

Deise Gonçalves Nunes
2007 Inter-Ação  
Introdução Neste estudo proponhamos uma análise da maneira como historicamente os padrões de intervenção social na área da infância brasileira revelam uma forma específica de reconhecimento social. Desse reconhecimento deriva o estranhamento da infância dos estratos mais pobres da população, entendendo-se infância como etapa do desenvolvimento da sociabilidade humana e fase de aquisição de conhecimentos e experiências. Partimos do pressuposto de que os padrões de intervenção social na área da
more » ... fância inicialmente atrelam-se a formas arcaicas de controle social, articuladas em torno da caridade tradicional e de diferentes formas de filantropia -que caracterizam os primeiros séculos de domínio colonial imperial e republicano e que no século XX vão compor o quadro das políticas sociais, sobretudo as de porte assistencial. A lógica ordenadora desses diferentes padrões de intervenção é a garantia da acumulação através da legitimidade dos meios de reprodução social pela regulação do acesso ou da exclusão da riqueza socialmente produzida. A essas práticas sociais correspondem, nos planos ideológico e político, representações acerca das crianças que são suas destinatárias, num complexo processo de constituição do seu reconhecimento social. Assim, a infância dos pobres é atravessada por uma forma específica de aparecimento social, determinada predominantemente por relações anômalas de sociabilidade regidas pelos perversos caminhos da desigualdade social e geradoras das modernas formas de filantropia e assistência. Por reconhecimento social consideramos a rede de relações sociais que atravessa a existência humana, ancorada na materialidade da vida social e que dá diferentes sentidos à sociabilidade constitutiva da vida em sociedade. Buscamos em Todorov (l996) as bases para discutir a construção dessa categoria. Este artigo está organizado em três partes. Na primeira, procuramos localizar a emergência e o desenvolvimento da política social para a infância, tendo como marcos definidores desse trajeto o Código de Menores de l927 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de l990. Na segunda parte, analisamos o sistema de atendimento destinado aos abandonados e o sistema de atendimento destinado aos delinqüentes, situando-os dentro da lógica organizadora do padrão de proteção social da infância. Para finalizar, elaboramos algumas reflexões sobre a infância dos pobres, a partir da construção do reconhecimento social implícito no padrão hegemônico de proteção. "É de Pequeno que se Torce o Pepino" -A Organização do Sistema de Proteção Social à Infância no Brasil A institucionalização da vida social, nas diferentes formações, determina a maneira como as sociedades definem as práticas sociais e delimitam as diferenças etárias. Ariès (l978) e Rabello (l996) mostram como a infância começa a ser * Doutora em Educação; professora adjunta do SSN/UFF.
doi:10.5216/ia.v27i1.1514 fatcat:oh22fcfjqrh3xl4uyegxjmf27i