Grupos indígenas berberes na Antigüidade: a documentação textual e epigráfica
Maria Cristina N. Kormikiari
2001
Revista de História
A pesquisa desenvolvida neste artigo foi realizada durante um trabalho de organização da documentação epigráfica e textual referente aos grupos berberes norte-africanos na Antigüidade. Oportunamente, discutimos as especificidades da documentação à disposição do pesquisador desta área: arqueológica, epigráfica e textual e apresentamos nossa contribuição para a definição do conceito teórico tribo, normalmente utilizado de maneira vaga e pouco fundamentada. Maria Cristina N. Kormikiari / Revista
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... História 145 (2001), 09-60 Conforme apontamos acima, desde o Neolítico, trocas culturais e mesmo econômicas ocorreram principalmente com a Península Ibérica e as ilhas da região do Mediterrâneo central. Por outro lado, durante a chamada Antigüidade Clássica, o Oriente, representado pelos fenícios, e através destes, pelos egípcios, estabeleceu um vínculo cultural permanente com os povos autóctones desta região. A chegada dos invasores islâmicos no século VII de nossa era representou, de uma certa maneira, uma continuidade de contato com o Oriente e não uma novidade. No entanto, gregos e, principalmente romanos, também ali aportaram. De fato, durante o Império Romano, todo o Norte da África, com exceção do Egito o qual representava uma unidade imperial a parte, foi transformado em províncias específicas: da Mauritânia (Cesariense, Tingitânia e Sitifensi), Numídia (Cirtensi e Militaria), Africa Proconsular, Tripolitânia e Bizacene. De colonizadores em colonizadores, os povos autóctones do Norte da África depararam-se, portanto, com fenícios, romanos, vândalos, islâmicos e, já em tempos modernos, com europeus (franceses e italianos essencialmente). Sua existência, deste modo, sempre foi pautada e analisada a partir da perspectiva do outro, do estrangeiro. Entretanto, com o advento dos processos de libertação do período pós-colonial, e com a conseqüente formação de novas identidades nacionais nos países norte-africanos, houve uma identificação e um retorno ao passado islâmico. Aspectos históricos e culturais deste passado foram, então, valorizados. Na esteira desta reificação de uma identidade nacional islâmica, os povos autóctones norte-africanos, os chamados berberes 4 , também ganharam voz. De fato, a cartagineses e com a língua destes, o fenício, que no Ocidente ganhou traços específicos, e passou a ser denominada, atualmente pelos estudiosos, de púnico, do nome dado pelos romanos aos herdeiros desse povo semítico no ocidente mediterrânico. Possuímos, por outro lado, poucos textos líbicos da Berberia. A grande maioria deles são inscrições de caráter religioso, bilíngües com o púnico ou neo-púnico (forma cursiva do púnico desenvolvida após a destruição de Cartago no século II a.C.). As fontes escritas mais prolixas sobre os autóctones continuam sendo os textos de autores gregos como Heródoto, Diodoro da Sicília, Ptolomeu e Políbio, e romanos como Salústio, Tito-Lívio, Plínio, o velho, Tácito e Apiano, entre outros. No entanto, a leitura dessas obras tem que ser feita com extremo cuidado, através da análise da coerência interna e da comparação com os dados fornecidos pelas fontes materiais. Além disso, as fontes originais utilizadas pelos autores antigos devem ser detectadas na medida do possível. A natureza dos temas narrados concentra-se em aspectos intimamente ligados aos acontecimentos militares que envolveram cartagineses e gregos, num primeiro momento, cartagineses e romanos, em seguida, por ocasião das Guerras Púnicas, e, por fim, as lutas entre os partidos romanos de Mário e de Silas, César e Pompeu, Otávio e Marco Antônio. Além disso temos obras como o Bellum Jugurthinum de Salústio, onde ele narra a guerra do berbere Jugurta pelo poder -guerra essa que envolveu Roma e ocorreu entre os herdeiros de Massinissa; ou então, textos acerca da convivência entre as populações locais e o poder romano, como nos Anais de Tácito, onde se lê sobre a revolta de Tacfarinas, líder do grupo indígena musulâmios, no século I d.C.
doi:10.11606/issn.2316-9141.v0i145p9-60
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