Universidades e inovação em saúde

Maria Cristina Sanches Amorim
2016 Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba  
A inovação tecnológica é a variável chave do desenvolvimento econômico. O setor de serviços de atenção à saúde é desde os anos 1950 locus importante de produção e incorporação de inovação tecnológica. Essa última, por sua vez, depende da ação coordenada entre Estado, empresas e centros produtores de conhecimento. A reflexão deste editorial é sobre o envolvimento das instituições produtoras de conhecimento, as universidades, na inovação. No início do século XX, o economista austríaco Alouis
more » ... peter acreditava que o investimento em inovação surgia espontaneamente da personalidade dos empresários empreendedores, heróis míticos que atendiam a um chamado interno para produzir bens e serviços inovadores. Os estudos de economistas e historiadores norte-americanos nos anos 70 do século XX mostraram que a inovação significativa era sistêmica, resultava de políticas econômicas promovidas pelo Estado para incentivar empresas a investir e universidades a pesquisar áreas que levassem a produtos inovadores. Essa é a tese da "tríplice hélice". No Brasil, o melhor exemplo da eficácia do modelo Estado-centro de pesquisa-empresa é a associação entre o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Embraer e as políticas de proteção à produção nacional de aviões. A história dos países bem-sucedidos no fomento à inovação, em particular a tecnológica, mostra como a legislação, a oferta de crédito, as regras comerciais e as universidades foram se organizando para a produção conjunta. Há aproximadamente 15 anos, o Brasil empenha-se para formar o sistema nacional de inovação nos moldes da "tríplice hélice". As dificuldades são muitas, a política econômica desde o Plano Real é inibidora de investimentos, o emaranhado jurídico é perverso, a empresa nacional hesita em se arriscar e a universidade, na maioria das vezes, resiste a participar do desenvolvimento nacional. As universidades estatais obedecem a regras legais que dificultam as relações com as empresas, salvo raras exceções. Há muita incerteza jurídica e conflitos relativos à propriedade das patentes geradas, destino dos lucros, responsabilidades com a comercialização. As privadas, em tese, desfrutariam de condições mais propícias. Porém, raramente estão sensibilizadas para cumprir seu papel na produção de conhecimento para a inovação, mesmo quando voltada para demandas literalmente vitais, como é o caso do setor de serviços de saúde. A iniciativa da organização do complexo industrial da saúde (de 2003) é uma das evidências dos esforços governamentais para transformar custos com a assistência à saúde em investimento, aglutinando Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ministério da Saúde, Ministério da Indústria, Ciência e Tecnologia e empresas nacionais. Na prática, as instituições privadas de pesquisa podem manter áreas de ensino e pesquisa desconectadas das necessidades nacionais de desenvolvimento econômico e social que dependam de inovação, ou não ter experiência na gestão de projetos e de contratos com empresas e governo, ou acreditar que devem se dedicar à "pesquisa básica", apenas -Donald Strokes, professor de políticas públicas na Princeton University, escreveu "O quadrante de Pasteur: ciência básica e inovação tecnológica", publicado pela editora da Unicamp, para denunciar justamente a fragilidade do conteúdo da expressão. E entre avançar na superação desses limites ou permanecer em sua "torre de marfim" metafórica, há sempre o risco de permanecer na zona de conforto. Se de um lado a universidade tem obrigações mais amplas e perenes do que a formação de mão de obra para o mercado de trabalho, de outro, é talhada para contribuir com as grandes estratégias de desenvolvimento econômico e social. Não resta dúvida de que a inovação é uma delas, de que inovações nos serviços de saúde (produtos, medicamentos, processos, formação de profissionais) trariam imensos benefícios ao Sistema Único de Saúde (SUS), redução dos custos de importação e ampliação do acesso do cidadão aos serviços, por exemplo. Devido à abundância de estudos e às condições objetivas da realidade nacional, o caminho para a inovação é a ação coordenada entre os três agentes: Estado, empresas e universidades. Que essas últimas pensem sobre suas responsabilidades e possibilidades!
doi:10.5327/z1984-4840201630318 fatcat:7ibytuogonhodh6tulfhnxzzq4