A literatura e as reviravoltas do sentido

Silvia Tedesco
2015 unpublished
Os signos, sabemos, são conectores ora compondo sínteses, ora séries heterogêneas. Por vezes carregando sentidos familiares, outras, estranhezas. É o processo de criação desses elos semióticos que vai nos interessar. A literatura nos impressiona pela força inventiva, nela intensificada por sua ousadia em produzir sentidos a partir de nexos entre signos, cuja impertinência os multiplica e os distancia da função meramente descritiva que lhes é atribuída. É por estas vias que a literatura "
more » ... a e faz emergir vértices de forças visíveis, que tomam forma a partir do que as suporta, uma pulsação invisível." 1 Por este viés, a narrativa literária está bem longe da pura prática do belo, do exercício do bom senso no uso das regras sintáticas ou ainda da substituição por signos de realidades vividas. É à sua afinidade com a dimensão movente da realidade que daremos atenção. Portanto, deixaremos para trás a função de representação, da recognição que emprestaria regularidade e constância ao eventos, frequentemente procurada nas várias dimensões da linguagem. No lugar, pensaremos na sua potência de lidar com a diferença. Percebemos duas tendências presentes na linguagem. De um lado, a inclinação das palavras à representação, ou seja, a função de re-apresentar no formato de signos os eventos empíricos para, através dessa atividade, ordenar a excessiva fluidez do mundo. Ao agir sobre esta última, a linguagem opera a repartição do empírico em classes e sub classes, com bom contorno e constância, num esforço para escamotear, através dessas binarizações forçadas, os processos ininterruptos de transformação que nos cercam 2. De outro lado, seguindo na contramão desta tendência, os signos contrariam as expectativas * Professora titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil. Contato: shtedesco@gmail.com 1 Schèrer, R., Petit alphabet impertinent, Paris: Hermann, 2014, pp. 91. 2 Em trabalho anterior, a função de representação da linguagem assim como sua operação de deriva foram mais detalhadamente trabalhadas. Cf. Kastrup, Passos, Tedesco, Políticas da Cognição, Porto Alegre: Sulinas, 2008.
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