Catolicismo português c. 1910

Manuel Clemente
2020
O centenário da República tem dado azo a várias alusões ao papel da Igreja Católica na altura, bem como a indagações sérias e circunstanciadas sobre o que realmente terá ela dito e feito, dentro de si mesma e na relação com a sociedade, a cultura e a política nacionais, que a seu modo integrava, aliás. A tónica ideológica ou convicta da história que se escreve, como das histórias que se contam, origina frequentemente leituras apressadas das memórias que restam, mais para legitimar posições
more » ... is e futuras do que para compreender, quanto possível, a realidade passada, também irrecuperável, em termos absolutos. Deparamos, então, com duas dificuldades maiores, provindas uma da natureza irremediavelmente ultrapassada do que aconteceu e devida outra à extrema complexidade das realidades religiosas, propriamente ditas. Destas últimas podemos acrescentar que quase só é apreciável a superfície; e a superfície que cada época enxerga dum passado total e indefinível. Em tempos recentes, a historiografia detinha -se muito nos movimentos colectivos de tipo social e económico; mais proximamente, interessa -se sobremaneira pelo particular, os sentimentos e os costumes, aqui evidenciando a resistência pós -moderna às meta -narrativas. Era "política" a relação que se apresentava entre a República e a Igreja Católica, negativa ou positivamente, quase só referida a espaços perdidos, conquistados ou reconquistados por uma ou outra. Negativamente, diziam uns, porque o catolicismo português, eivado de clericalismo ou "jesuitismo", se ligara tanto à monarquia que caíra com ela. Positivamente, diziam outros, porque, apesar de tudo, o mesmo catolicismo demonstrara uma notável capacidade de resistência às medidas republicanas de 1910--1911, pela acção espontânea ou conjugada de clérigos e populações.
doi:10.34632/povoseculturas.2012.8913 fatcat:hzyafmr2znfnvdsgxk4hanetua