A Hermenêutica da facticidade e a historicidade do Direito: complexidades da questão do racismo / The Hermeneutics of facticity and the historicity of Law: complexities of the racism issue
Henrique Alexander Keske, Claudine Rodembusch
2021
Brazilian Journal of Development
RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar os contributos da hermenêutica enquanto facticidade, ou seja, a possibilidade instauradora de sentidos existenciais, bem como enquanto historicidade dos institutos jurídicos, ao tratar das complexidades do racismo em nosso país, em seu caráter histórico e estrutural. Como metodologia, segue-se a análise doutrinária, das normas constitucionais e legais e das políticas públicas de promoção da igualdade racial. Por fim, se propugna não pela
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... são de nosso passado escravocrata, como apagamento da história do próprio racismo, mas de uma aplicação ao tema, de permanente análise reflexiva, que redimensione o próprio espaço público dessa discussão. ABSTRACT This article aims to present the contributions of hermeneutics as a facticity, that is, the possibility of establishing existential meanings, as well as the historicity of legal institutions, when dealing with the complexities of racism in our country, in its historical and structural character. As a methodology, it follows the doctrinal analysis, constitutional and legal norms and public policies to promote racial equality. Finally, it is advocated not for the review of our slave past, as erasing the history of racism itself, but for an application to the theme, of permanent reflexive analysis, which resizes the very public space of this discussion. A motivação da escritura do presente artigo se deu em função dos atos violentos que causaram a morte do afrodescendente George Floyd e que culminaram nas mais significativas mobilizações sociais antirracistas, desde a luta pela igualdade dos direitos civis dos negros, nos Estados Unidos, no auge da década de 1960, mas que não se limitaram somente a esse país, vindo a se transformar em um movimento antirracista, em nível global, com reflexos, inclusive no Brasil, em que diversos grupos ligados aos movimentos reivindicatórios de igualdade racial, mas, também, de forma mais ampla, atingindo um aspecto maior da própria sociedade, saíram às ruas, para se manifestar contra tais atos. Infelizmente, em várias sociedades, principalmente nos Estados Unidos e também em diversos países, as reivindicações pacíficas acabaram por evidenciar aspectos de violência, igualmente injustificável. Entretanto, não é este o foco da análise e, sim, uma de suas primeiras e mais controversas consequências, que diz respeito a uma série de atos que intentaram destruir ou vandalizar monumentos que exaltam líderes escravocratas e/ou escravagistas do passado, com a finalidade de realizar uma espécie de revisionismo histórico, como forma de apagar esse passado sombrio de racismo, que, em dada época, se constituiu nem fundamento de tais sociedades. Infelizmente, passados cerca de apenas três meses, outro episódio trágico veio a ocorrer, pela agressão perpetrada naquele país, contra outro afro-americano, Jacob Blake que, alvejado por sete disparos, pelas costas, se torna paraplégico, o que desencadeia nova onda de protestos. Por outro lado, em nosso país, a imprensa passa a divulgar casos emblemáticos de violência sofrida por afro-brasileiros, como forma de, igualmente, dar visibilidade a uma de nossas maiores mazelas sociais, que é o racismo brasileiro, de caráter histórico e estrutural, a vitimar significativa parcela da população, paradoxalmente majoritária em nossa composição étnica, mas ainda submetida a níveis graves de desigualdade social, em diversos aspectos. A seu turno, então, a presente discussão quanto ao tema, se orienta por palestra proferida pelo Prof. Kiwonghi, realizada por ocasião do I Encontro Virtual do CONPEDI/2020, em que, ao analisar o racismo praticado no Brasil e nos USA, destaca as três formas com que se pode identificar o problema: 1. Racismo enquanto ideologia: por esse aspecto, se pretendeu, historicamente, e ainda se pretende encontrar elementos biologicistas e dotados de falsa cientificidade para justificar a postura inferior de uma raça, com a finalidade de naturalizar essa posição. Brazilian Journal of Development 2. Racismo enquanto perspectiva: através da qual se constrói, socialmente, um olhar, um prisma que, historicamente, orienta a percepção do outro que era considerado mercadoria, durante a escravidão; o que, agora, justifica a posição de que deve continuar a não valer nada, ou a valer muito pouco. 3. Racismo enquanto prática social: uma postura que se transforma em atos, ou ações, quer individuais, quer coletivas, de grupos organizados, que banalizam uma espécie de violência cotidiana trivializada, por exemplo, por injúrias sistemáticas e expressões de linguagem. (KIWONGHI, I CONPEDI VIRTUAL, 2020). Ademais, Hegel, na obra Princípios da Filosofia do Direito, deixa um alerta que, igualmente, serve de guia ao presente artigo, pois afirma, claramente, o caráter de que a Filosofia e, aqui, se pode incluir o Direito, agem como a "Coruja de Minerva", isto é, só levantam o voo do pensar e do legislar e do aplicar da lei, depois do crepúsculo, ou seja, quando os fatos já passaram. (HEGEL, Princípios da Filosofia do Direito, 2005). Evidentemente que, sem o suporte fático, não há Direito, mas é daí que decorre o desafio da motivação de tratar da eclosão dos fatos atuais de racismo, quando ainda mobilizam as forças sociais que se sentem impactadas por sua ocorrência e que, dessa forma, pretendem mobilizar o conjunto da sociedade para aquilo que evidenciam. Infelizmente, porém, aquilo que os fatos evidenciam se constitui de um processo social demasiado marcante da sociedade brasileira, sobre os quais o legislador já se debate, frontalmente, pelo menos há 70 anos, quando da edição da Lei Afonso Arinos, que é considerada a primeira lei antirracista do país. Portanto, nesse caso, já se podem buscar os apontamentos históricos que alicerçaram, desde aquele momento, o enfrentamento do problema, através das instâncias propriamente jurídicas. Porém, ao fazê-lo nos valemos da Filosofia Hermenêutica de Heidegger, bem como da Hermenêutica Filosófica de Gadamer, notadamente quando tratam dos processos de facticidade e historicidade, uma vez aplicados nas repercussões que tais apontamentos vieram a ter na própria hermenêutica jurídica, entendida não mais como mero método de aplicação da lei aos casos concretos, pelo julgador, mas, em sentido amplo, como o processo mesmo de instauração dos sentidos e significados do fenômeno jurídico como um todo. Nesse sentido, a facticidade se reveste do caráter de possibilidade de, ao se interpretar os fatos, poder se construir o enfrentamento jurídico do problema, enquanto fator capaz de produzir novos direitos e, dessa forma, mudar a ordem legal vigente anteriormente. Dessa maneira, se chega, então, ao caráter de historicidade dos institutos jurídicos, no sentido de que, sim, tais direitos eclodem em dado contexto e momento Brazilian Journal of Development
doi:10.34117/bjdv7n6-435
fatcat:32b2z6fitbhb5bd5ht7n4gsrvq