"Sob o olhar da razão: as religiões não católicas e as ciências humanas no Brasil (1900-2000)"
[thesis]
Marcos Alexandre Capellari
e aos ex-colegas da FMUSP, que me incentivaram durante o período em que trabalhei nessa Instituição. Muito devo à professora Kátia Maria Abud pelas lições ainda na Faculdade de Educação, no período da licenciatura, bem como pelo apoio ao meu ingresso no Programa de Pós-Graduação, o qual se estende até o presente. Agradeço ao professor Reginaldo Prandi pelas orientações formais sobre o campo religioso brasileiro, no Departamento de Sociologia e, sobretudo, pelas orientações informais, nunca
more »
... rompidas. Em especial, devo meus agradecimentos à professora Raquel Glezer, que sempre incentivou e orientou a execução dos trabalhos, com críticas e sugestões fundamentais. Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em História Social e ao CNPq -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo financiamento que permitiu a conclusão do trabalho. RESUMO Esta Dissertação de Mestrado descreve o nascimento, a inserção e o desenvolvimento das religiões não Católicas em solo brasileiro. Discorre, entre as que estão em maior evidência, sobre suas doutrinas e práticas fundamentais. Por outro lado, analisa a produção científica brasileira sobre a temática, ocorrida entre 1900 e 2000, através de um balanço bibliográfico. Procura, assim, verificar quais religiões foram mais estudadas pela comunidade científica, bem como as lacunas existentes. ABSTRACT This Master thesis describes the birth, insertion and development of the noncatholic religions in the Brazilian territory. It concerns about the dogmas and basic practices of the most popular ones. On the other hand, it analyses the Brazilian scientific production about such issue between 1900 and 2000, through a bybliographic research. Thus far, this text aims to verify which religions were studied the most by the scientific community, as well as the blanks left by them. SUMÁRIO pág. Apresentação 1 Introdução 4 Capítulo I Religiões Evangélicas. 157 Considerações Finais 183 Fontes e Bibliografia 189 1 SERRES, Michel. As ciências. In: Le Goff, Jacques (org.). História : novas abordagens. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1976., p. 175-6 Apresentação 2 A partir do momento em que defini, com minha orientadora, o tema de estudo deste trabalho, tive a convicção de que, pela primeira vez, conseguia aliar ao ofício de historiador um objeto de pesquisa que me atraía antes mesmo de ingressar no Curso de Bacharelado em História, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1991. Até 1998, minhas leituras sobre as religiões eram descompromissadas, o que se transformou quando dei início à elaboração do projeto de pesquisa. Ocorriam paralelamente aos estudos escolares e obedeciam ao propósito de satisfazer a curiosidade. O que mais me agradava era comparar, sem qualquer método, as doutrinas religiosas existentes, buscando semelhanças e diferenças entre elas. Obviamente, um exercício diletante. Sobre as interpretações científicas feitas sobre o tema "religião", conhecia superficialmente o pensamento de uns poucos filósofos, como Epicuro, Nietzsche, Marx e Freud. Com relação à vasta gama de estudos científicos e acadêmicos existentes, sobretudo os realizados no país, tinha apenas uma vaga noção. Só me deparei com o volume de pesquisas realizadas no Brasil quando, ao cogitar sobre a possibilidade de redigir um projeto de pesquisa sobre a história das religiões, fiz um primeiro levantamento da bibliografia existente: centenas de livros, teses acadêmicas, artigos de periódicos e "papers" de congressos. Sob a orientação da Profa. Dra. Raquel Glezer, decidi então organizar historicamente essa produção. Já não era, pois, um projeto de estudo sobre uma determinada religião que passou a me interessar. Antes, era o estudo sobre os estudos; no caso, das religiões não Católicas. O objeto de pesquisa era outro, assim como outra seria a metodologia a ser utilizada. O projeto de pesquisa então elaborado tinha como objetivo determinar, no interior do espectro da produção científica sobre o tema, os autores que se tornaram referenciais teóricos dos demais. A metodologia escolhida para este fim foi a Bibliometria. Com base no cruzamento das citações existentes no conjunto das obras O Brasil é, em nossos dias, ainda um país exclusivamente Católico? 2 Certamente já o foi. Durante o período da colonização portuguesa, bem como a fase imperial, o Catolicismo foi a religião oficial do Brasil. Enquanto religião oficial do Estado, foi protegido pelo sistema do Padroado. No entanto, mesmo no período colonial, outras crenças religiosas, nativas ou trazidas da África, 3 foram cultivadas por homens e mulheres, desafiando o monolitismo da crença oficial. Delas surgiram, em sincretismo com as crenças do Catolicismo popular, as chamadas "Religiões Afro-brasileiras". Desde o século XIX, somando-se às crenças referidas, ocorreu a penetração de várias denominações Evangélicas, assim como do Espiritismo Kardecista, aumentando a heterogeneidade de um campo que permanecia, a despeito da liberalização crescente, ainda oficialmente Católico. O Regime do Padroado, entretanto, extinguiu-se com a Proclamação da República, cuja Constituição definiu o Estado como laico. Nesse período, ainda, a quase totalidade dos brasileiros se dizia Católica. O Brasil era, por conseguinte, um país Católico. Após um período em que, sob a República laica, ocorreu a penetração dos Evangélicos Pentecostais e das crenças étnicas de grupos de imigrantes, o ciclo se completou, no decorrer do século XX, com a disseminação de inúmeras religiões e filosofias religiosas, sobretudo orientais, além da difusão de crenças brasileiras antes confinadas a comunidades isoladas. Pelo final do século XX, o crescimento do Neopentecostalismo, bem como de outros movimentos religiosos, interferiu decisivamente no campo religioso brasileiro, contribuindo para a formação de um panorama multifacetado, difícil de ser descrito em seu conjunto. São inúmeras as crenças e as filosofias religiosas abraçadas pela população brasileira nos dias de hoje, sendo que boa parte dos seus conversos saiu das fileiras 2 A discussão, aqui, sustenta-se apenas em dados obtidos a partir de pesquisas censitárias. A religiosidade interior, portanto, não se constitui enquanto objeto de análise deste trabalho. Por outro lado, desde os princípios do século XX, devido à imigração, religiões ligadas a vários grupos étnicos (japoneses, judeus, sírio-libaneses etc.) foram introduzidas e disseminadas, tais como o Judaísmo, o Islamismo, o Budismo, o Xintoísmo e outras religiões nipônicas. Nesta mesma época foram introduzidas as Igrejas Pentecostais. Além disso, principalmente nas últimas décadas do século, novas modalidades religiosas se estabeleceram. Algumas com origem em regiões remotas do Brasil, tais como as "religiões da ayahuasca" (Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha); outras com origem no exterior, sobretudo no Oriente, como algumas vertentes do Taoísmo, do Budismo, do Zen-budismo, do Hinduísmo etc., tudo isso ajudando a compor o fenômeno Nova Era, movimento que se estabeleceu com a contracultura. Por fim, como desdobramento do Pentecostalismo, ocorreu, também a partir dessa época, o surgimento do Neopentecostalismo. 10 Evidentemente, além da liberdade religiosa conferida pela lei, outros condicionantes, sociais, culturais e econômicos ensejaram o pluralismo religioso. Esse movimento, que partiu da unidade colonial para a pluralidade crescente da prática religiosa tem, no fenômeno Nova Era, o exemplo de fragmentação levado às suas últimas conseqüências. Nela -Nova Era, são abolidos os limites entre práticas antes confinadas às filosofias e dogmas específicos de cada religião, instaurando-se um ecletismo que responde aos anseios individuais, em detrimento dos aspectos mais coletivos das religiões tradicionais. Do início da colonização brasileira aos tempos atuais, no que tange às práticas religiosas permitidas, passou-se da unidade para uma progressiva diversidade, cujo corolário extremo é o movimento Nova Era. Do monopólio Católico da fé, chegouse às práticas que combinam, em seu bojo, aspectos oriundos das mais diversas culturas religiosas do planeta, envolvendo religiões e filosofias orientais, sistemas e práticas esotéricas e ocultistas, práticas xamânicas, incorporação da ciência (física 10 No interior do Catolicismo, entre os anos sessenta e setenta o movimento pentecostal se estabeleceu com a fundação da "Renovação Carismática Católica". A partir das Fontes delimitadas, foi possível, a um só tempo, discorrer sobre as religiões não Católicas presentes no Brasil e estabelecer um balanço crítico da produção científica efetuada sobre o tema. As religiões sobre as quais foram realizados trabalhos científicos e que se incluem nas Fontes desta dissertação foram divididas em quatro grandes grupos, correspondentes aos quatro primeiro capítulos: O primeiro grupo, designado como "Religiões Evangélicas", engloba o Protestantismo histórico, as Igrejas Pentecostais (e Neopentecostais) e as Igrejas Paralelas à Reforma. O segundo grupo refere-se ao "Espiritismo kardecista". O terceiro grupo, designado como "Religiões Afro-brasileiras", corresponde basicamente ao Candomblé, ao Xangô, ao Tambor de Mina, ao Batuque e à as "Santidades" do século XVI (Cf. Vainfas, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.) 50 Ibid., p. 52 51 Cf. MARIANO, Ricardo. op. cit., p. 45
doi:10.11606/d.8.2002.tde-01082003-144126
fatcat:n6cl4emllfg4bdjmypkxoqpq7q