O pathos da ação: notas sobre responsabilidade docente e singularidade
Diogo Bogéa
2019
Educação Unisinos
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados. Educação Unisinos 23(2): 273-286, abril-junho 2019 Resumo: Investigação acerca do conceito de "responsabilidade" e suas implicações na compreensão contemporânea da "responsabilidade docente". A tradição moderna fundamenta o agir responsável numa concepção de sujeito racional,
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... ciente, autoconsciente. A ação responsável pressupõe, nesse registro, um saber que legitima o poder afirmativo de um agente livre para agir ou não agir. Buscaremos, a partir da referência à filosofia de Nietzsche e ao pensamento de Derrida, pensar a dimensão do pathos na ação, além de trazer à tona uma compreensão da responsabilidade enquanto "resposta" à singularidade do "outro" que nos interpela. Trata-se de uma experiência da responsabilidade que se inscreve numa dimensão "indecidível" entre saber e não saber, poder e não poder, afirmatividade e passividade. Abstract: Investigation on the concept of "responsibility" and its implications in the contemporary comprehension of the "teacher's responsibility". The modern tradition grounds the responsible action with the notion of a rational, conscious and self-conscious subject. Responsible action presupposes, in this record, some kind of knowledge which legitimates the affirmative power of the free agent to act or not to act. We'll try, from the reference to the philosophy of Nietzsche and Derrida's thinking, to bring the dimension of pathos to understand human action. We'll also try to bring up the comprehension of responsibility as "response" to the singularity of the "other" that calls us. It's an experience of responsibility with an "undecidable" dimension between knowing and notknowing, power and impotence, affirmation and passivity. Quando falamos em "responsabilidade", nos referimos à "ação" humana e, assim, já nos inserimos, mais ou menos conscientemente, nas redes conceituais que a tradição ocidental nos legou. Quando falamos em "ação", portanto, geralmente nos referimos a um "pôr em movimento", "fazer" ou "realizar" que traz consigo a marca de uma certa "afirmatividade" historicamente imiscuída nos termos "ativo", "atividade" em oposição à "passividade" ou ao "padecer" do que "sofre" e do que é "coagido". Dessa maneira, ao falar em "ação", nos referimos a um "agente" até certo ponto "livre" para agir da maneira como age. A Idade Média concedeu ao agente o "livre-arbítrio" para obedecer ou desobedecer aos desígnios de Deus, submetendo o agir humano às recompensas e castigos divinos neste ou no outro mundo. A modernidade consolidou a configuração do "agente" como "sujeito" racional, consciente e auto-consciente. Sujeito "responsável" capaz de agir segundo "fins" e "fundamentos" racionalmente estabelecidos. Um sujeito que, porque racional e consciente, sabe o que faz e porque faz o que faz e, enquanto tal, é responsável por seus atos. Para Locke ação é poder ativo da vontade que realiza ou não uma ação. O que determina nossas ações é uma uneasiness (Locke, 2012, II, XXI, § 29), uma inquietação da mente que busca evitar o desprazer presente e buscar um bem (um prazer) ausente. Uneasiness se confunde com os desejos. Desejos, portanto, de evitar desprazeres presentes e buscar "bens", isto é, prazeres, ausentes (Locke, 2012, II, XXI, § 31). Não precisa haver concordância entre os desejos e a vontade. A vontade é o que determina efetivamente o agir ou não agir, ainda que os desejos possam nos indicar direções contrárias. O agente é "mais livre" na medida em que tem um maior poder de escolher realizar ou não uma ação. Ainda que sejamos constantemente perturbados pela uneasiness desejante, fomos agraciados por Deus com o poder de suspender a vontade, suspender a realização dos desejos para considerar, ponderar, examinar os "bens" em questão a fim de escolher "bens" maiores do que a realização imediata que os desejos demandam. Para que nós, míopes criaturas, não nos enganássemos, em nosso estado de ignorância, sobre qual é a verdadeira felicidade, foi-nos dado o poder de suspender qualquer desejo particular e impedir que determine a vontade e nos engaje numa ação. Isso é ficar parado, se não temos certeza do caminho: examinar é consultar um guia. O agente que pode ou não agir no sentido dessa deliberação, que não restringe a liberdade, é livre, pois pode escolher, segundo queira, ir ou ficar. (Locke, 2012, II, XXI, § 50) Quero chamar a atenção aqui para essa noção de "agente", como uma espécie de "núcleo" racional e consciente, capaz de colocar-se numa posição de neutralidade a partir da qual pode analisar, examinar, ponderar, isto é, exercitar os poderes de sua razão no teatro da sua consciência para então, por fim, decidir. Bogéa -O pathos da ação 275 Educação Unisinos -v.23, n. 2, abril-junho 2019
doi:10.4013/edu.2019.232.05
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