A Língua Excluída do Poema -- Sobre "Le Tiers Exclu, Fantasia Política" de António Franco Alexandre
Pedro Eiras
2009
Começo pela mais óbvia das evidências: "Le tiers exclu, fantasia política", o primeiro dos Quatro Caprichos (1999) de António Franco Alexandre, é um poema escrito em português. Evidentemente. Mas agora queria, sem negá-la, questionar essa evidência, esse lugar óbvio da visão que corre o risco de nos ofuscar, como se a língua em que um poema se escreve fosse apenas um meio, um empréstimo invisível. Eis-nos já entre a evidência e o invisível, isto é, na cegueira por excesso de luz. Este poema
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... escrito em português, eu diria até que ele permanece escrito em português quando é traduzido noutra língua -sim, mas em qual português? o que diz o poema da sua língua, em que português ele define (e talvez: defende, humilha, desculpa) o seu próprio português? ou seja, que ónus carrega uma língua perante qualquer outra língua, ainda que apenas para dizer algo tão aparentemente neutro, objectivo, fait divers traduzível, como, por exemplo, e é apenas um exemplo, "Tínhamos encontrado um pederasta suíço / num café da praça Wilson" (Alexandre 1999, 9)? ou haverá, nessa língua até aqui transparente, a marca indelével de um exílio intraduzível, quando se diz "Tínhamos encontrado um pederasta suíço", exactamente porque não se diz, por exemplo, "Nous avions rencontré un pédéraste suisse", ou, por exemplo, "We had met a Swiss pederast", etc.? Sempre em gesto introdutório, lembro que há outras línguas no poema: além do francês falado por B., há um homem suíço, uma praça Wilson, chapéus japoneses para licores, parkings, um self-service, etc., logo nas primeiras páginas. E também, desde o primeiro verso, o português -que nomeia e inclui essa mesma Babel em agon ou agonia, inscrevendo-se a si próprio na escrita histórica e política das línguas. Ou seja, a língua transparente do poema é o lugar de toda a opacidade, revelação da estranheza das outras línguas que definem o mundo (um mundo?): Toulouse, certamente, mas sobretudo um lugar de contaminações, línguas imperfeitamente faladas, e pureza -essa ideia suspeita. Toulouse passa a ser presa desse jogo de línguas: não é o lugar onde se falam línguas mas as línguas falando, sem pentecostes, a própria cidade/história/política. Não se vive em Toulouse: fala-se Toulouse, ou nada. Eis como essa abordagem de línguas se complica, num certo português do poema: "B. inclinou a boca para o meu ouvido / e murmurou: sale pédé, que era ou seria o
doi:10.7275/r5hq3wt3
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