O amor pela docência e pela pesquisa, sentimento maior que o sofrimento físico

Célia Maria Marcondes Ferraz
2007 Psicologia & Sociedade  
Depoimento apresentado em 29 de maio de 2006, numa homenagem à Sílvia Lane) A Sílvia gostava de pedir a um dos alunos do Núcleo que exercesse o papel de secretário ou de secretária. Era alguém que organizava com ela as atividades, informava aos demais colegas sobre a programação e a cada semana lembrava a todos sobre o que ira acontecer: aulas, leituras ou encontros com outros núcleos. Até o final de 2005 era Ana Lúcia Artioli a secretária e neste ano, 2006, eu fui escolhida pelo grupo para
more » ... cer este papel. E, em virtude das circunstâncias, esta atividade singelamente burocrática me aproximou mais da Sílvia. Nós nos falávamos todas as semanas. E é nesta condição, de secretária do Núcleo que vou relatar a vocês os últimos dias da agenda de trabalho da Sílvia, mostrando quais eram as sua preocupações em relação à Pontifícia Universidade Católica (PUC) e aos alunos. O meu relato segue o formato da agenda. Cada vez que nos falávamos havia uma espécie de minuta que eu distribuía aos colegas e que divido agora com vocês. Dia 31 de janeiro de 2006: Sílvia, como vai? Estou me apresentando ao trabalho. Resposta: Não estou nada bem. Passei muito mal nas férias. Estômago. Uma dor terrível e não consigo comer nada. Mas o que está me preocupando muito é a crise na PUC. A Fundação assumiu a coordenação do processo de demissões. É preciso reduzir drasticamente as despesas e vão começar a demitir em massa. É uma interferência na autonomia da reitoria além de um processo de destruição de saber, de competência e de agravamento da precariedade das condições de trabalho dos docentes, e por conseqüência, dos alunos. Vocês têm que estar inteirados do que se passa. O início das aulas foi adiado para março, mas vocês devem se reunir, ir a PUC e defender uma posição. Dia 13 de fevereiro: Sílvia, está melhor? Resposta: Não. Continuo muito mal. Marquei consulta com um gastro muito bem recomendado. Espero que agora dê certo. Você se comunicou com o grupo? Célia: Sim. Vamos nos encontrar, algumas pessoas hoje à tarde na PUC para nos inteirarmos dos fatos. O que você gostaria que fizéssemos? Sílvia: Vai haver uma reunião do programa. Vocês deveriam participar. É preciso neste momento acompanhar todos os passos, todas as decisões. Pode ser até mesmo que do ponto de vista prático, não haja nada que possamos fazer. Mas precisamos deixar claro o nosso protesto. A PUC teve e tem uma importância enorme na formação dos quadros docentes de todas as Universidades brasileiras. Eu não me conformo que este esforço todo não seja levado em consideração num momento que a PUC precisa de ajuda para pagar os bancos. Aguardo as suas impressões sobre o que virem nesta tarde. Dia 06 de março: segunda feira: Sílvia, como passou o carnaval? Resposta: Mal. Não consegui nem mesmo chegar até o jardim de tão mal que passei. Não posso comer nada e meu estômago dói demais. Já estou com exames marcados. Todos os ultra e as cópias que você pode imaginar. Vamos ver se consigo agora descobrir o que eu tenho para me tratar e retomar a minha vida normal. Vou tentar ir nesta quarta-feira para receber os novos alunos. Te-com muita vontade de levar adiante o meu trabalho de tese. Ela foi uma orientadora, amiga, transparente, doce, sem perder a firmeza e a profundidade teórica até os seus últimos dias de vida. Sinto saudades!
doi:10.1590/s0102-71822007000500009 fatcat:qgv43ewvrredtas2cq5kaeq244