O POVO APURINÃ CONTRA O PODER COERCITIVO

Rogério Sávio Link
2020 Revista Canoa do Tempo  
Resumo Este artigo discute o controle social do povo Apurinã em relação ao poder coercitivo. O objetivo é analisar como a sociedade apurinã estava e ainda está estruturada para delimitar o poder das lideranças políticas e religiosas evitando, assim, o aparecimento do poder coercitivo e da sociedade dividida em classes sociais. Para alcançar esse objetivo, a análise apoia-se principalmente nos trabalhos de Pierre Clastres, Hélène Clastres e Marcel Gauchet. Pierre Clastres chega à conclusão de
more » ... todo poder nas sociedades indígenas emana da comunidade. As lideranças seriam desprovidas de poder coercitivo e, dessa forma, as sociedades indígenas seriam "sociedades contra o Estado", a forma mais acabada de poder coercitivo que institui o aparecimento das classes e do trabalho alienado. A partir de dados históricos e etnográficos, este artigo dialoga com a tese de Clastres buscando apresentar o ponto de vista dos Apurinã visibilizado em sua história e em suas narrativas míticas. Mas, diferente de Clastres, para quem o poder coercitivo parece provir mais substancialmente do grupo dos guerreiros, para os Apurinã, ele parece provir perigosamente da religião. As principais fontes históricas e etnográficas aqui utilizadas são de duas ordens: extratos de cartas e relatórios produzidos por missionários da South American Missionary Society entre as décadas de 1870 e 1880; e observações de campos decorrentes de minha convivência com os Apurinã do Médio Purus. Palavras-chave: Apurinã; poder coercitivo; poder político; xamanismo; Amazônia. Abstract This article discusses the social control of Apurinã people regards to the coercive power. The objective is to analyze how Apurinã society was and still is structured to delimit the power of the political and religious leaderships, thus avoiding the emergence of coercive power and of a society divided into social classes. To achieve that objective, the analysis is mainly based on the work of Pierre Clastres, Hélène Clastres and Marcel Gauchet. Pierre Clastres comes to the conclusion that all power in indigenous societies emanates from the community. The leaderships would be deprived of coercive power and thus indigenous societies would be "societies against State", the most finished form of coercive power that institutes the emergence of classes and alienated labor. From historical and ethnographic data, this article dialogues with the thesis of Clastres seeking to present the point of view of Apurinã visible in its history and in its mythical narratives. But unlike Clastres, for whom coercive power seems to come more substantially from the warrior class, to the Apurinã, it seems to come dangerously from religion. The main historical and ethnographic sources used here are of two orders: extracts from letters and reports produced by missionaries of the South American Missionary Society between the 1870s and 1880s; and field observations resulting from my convivialite with the Apurinã of the Middle Purus.
doi:10.38047/rct.v12.n01.2020.al6.p.367.394 fatcat:dmwlgmhtwjffrk6lys2w3sf5ee