A Compreensão de Hegel da Modernidade
Max De Filippis Resende
2004
Revista Vernáculo
Para a compreensão do pensamento histórico hegeliano da modernidade é preciso ter em vista o seu princípio da "liberdade subjetiva". É ele que assinala, para o filósofo, a essencialidade dessa época e o que faz parte do desdobramento do "espírito" em seu progresso, a história universal, no esforço de chegar à consciência de que é em si mesmo, de que é livre, por que é por si mesmo. A história universal estaria no campo espiritual, quer dizer, daquilo que é mais propriamente humano, o próprio
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... iritual, e tudo é apenas em relação ao espírito, à essencialidade do humano, sendo na história que o espírito alcança sua realidade mais concreta, ou seja, realiza-se. É apenas na Idade Moderna que a vontade do sujeito será encarada em termos de sua total autonomia, têm-se a consciência de que a subjetividade do indivíduo pertence apenas a ele, e de que ele pode usá-la livremente. Com isso, acredita-se que os homens, para seus atos, podem basear-se apenas em suas próprias convicções, em sua racionalidade. Esta convicção deste pensar independente, e esta ação como seu produto, estariam em plena comunhão com o agir do "espírito absoluto", a essência racional de toda realidade, pois, como este, é o que é por si mesmo. Ou seja, livre, pois está em si mesmo, na "atividade de voltar-se para si e assim se produzir, fazer o que ele é em si" 2 . Para Hegel, a substância do espírito, sua essência, é a liberdade, e todas as suas propriedades são mediante a liberdade. A ação do espírito se dá no âmbito de uma universalidade viva, a identidade de um povo, sua cultura em geral, que constitui uma substância única, um espírito, que penetra na consciência do indivíduo. Nos "novos tempos", o indivíduo, com a consciência de que é livre, exige agora a sua particularidade: opinião, querer e consciência próprios. A aplicação do princípio de liberdade às coisas do mundo, faria parte, então, do longo processo que constitui a própria história. A idéia de liberdade, o seu conceito, sai de si mesma, sua essência, para produzir-se na história. Produz, assim, uma realidade histórica, ética, social e política do espírito humano através de relações de igualdade e diferença da idéia de liberdade, em sua efetividade enquanto desenrolar de um momento da manifestação do espírito na história. Processo este que, para Hegel, culminaria no Estado Moderno, sendo ele a representação histórica da "Idéia de liberdade", que ao se relacionar com o indivíduo, representação da liberdade enquanto subjetividade, moveria o processo dialético da história. A subjetividade afloraria nos tempos modernos como uma exigência histórica, e distinguiria muito bem a modernidade das outras épocas históricas. É a liberdade subjetiva que "se constitui em fato histórico concreto apenas na modernidade ao configurar-se na exterioridade jurídica da pessoa e da propriedade e ao efetivar-se na interioridade de uma subjetividade moral que tem em si mesma, na sua consciência, o critério do agir livre". 3 Isso seria também uma particularidade do mundo cristão ocidental, pois no Oriente apenas um homem seria livre, o déspota; e a lei moral não viria do saber do próprio homem, seria algo que exerce coerção sobre ele. Na Grécia Antiga o espírito animaria o indivíduo a estar em uma harmonia, uma vida ética, onde o fim do indivíduo e o fim do Estado coincidiriam. O cidadão era membro de uma totalidade, a pólis, obedecendo não a uma consciência moral vinda da sua subjetividade, mas a costumes objetivos da pólis. A satisfação das vontades também diz respeito à pólis e não ao querer do indivíduo, as particularidades são ignoradas. E justamente o que teria rompido com essa eticidade seria a "infinitude da consciência de si mesmo" 4 , que estaria contida, na análise hegeliana, tanto nos sofistas quanto no pensamento de Sócrates. Hegel também vê uma pequena manifestação deste princípio no direito romano, quando o homem adquire a individualidade jurídica. Mas é só com o cristianismo que o homem adquiriria uma interioridade individual, e é na sua subjetividade que ele manifestaria sua liberdade. No cristianismo o indivíduo enriqueceria-se e se salvaria na interiorização da pessoa, consagrando o "valor infinito do indivíduo". A partir dessa noção é que se efetivaria a realização da liberdade subjetiva, cujo momento decisivo, para Hegel, será a Reforma Protestante, pois não valorizará as relações externas e materiais da religiosidade, despertando no homem uma consciência moral que ganha certeza de si na intimidade da fé e no contato direto com Deus. Além da Reforma, como exigência do espírito da modernidade, o Iluminismo surgiria como pensamento onde a explicação da realidade se dá pela razão. A reflexão subjetiva é autoridade agora, e a Revolução Industrial Inglesa também contribui para esse quadro, lançando as bases de uma nova economia, onde a força de trabalho do indivíduo torna-se autônoma e adquire valor de mercado. Mas o ponto decisivo do desdobramento do espírito da modernidade seria a Revolução Francesa, pois é com ela que o princípio da liberdade efetivaria-se politicamente. Hegel constata que é aí que o homem torna-se universal, pois a liberdade seria declarada como direito. A razão é estabelecida no mundo dos acontecimentos históricos. Apesar desta constatação, Hegel assinala um fracasso da
doi:10.5380/rv.v1i11/12/13.17756
fatcat:f57hsqjp3bb7thaeqq6aws6iv4