>i/i<: submundo e sociedade paulista nos \"anos dourados\" [thesis]

Adriano Vieira Cazallas
AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Lurdes de Campos Vieira e Edison Cazallas, que sempre incentivaram meus estudos, e minha esposa Angelita Aparecida dos Santos, que me administra. Ao meu orientador, Prof. Dr. Norberto Guarinello, que teve a generosidade de aproveitar meu "ponto fora da curva" (como ele mesmo gosta de dizer). À Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP), que me acolheu na reta final da graduação, e aos colegas e amigos das repúblicas estudantis que me hospedaram, assim como ao
more » ... ro Laban de Dança e Arte do Movimento do Brasil, na pessoa da coreógrafa Solange Arruda. Tenho obrigação, ainda, de agradecer Alberto Marsicano por ter tocado o rum -tambor do mestre -no terreiro de minha mãe Lurdes, o Templo de Umbanda Sagrada Sete Luzes Divinas, onde fomos ogãs. Certa vez, Nicolau Sevcenko nos encontrou no Departamento de História e soube, então, que eram velhos amigos. Nicolau comentou comigo que não poderia ter tido melhor mestre na música e na cultura popular brasileira. Após tanto nos ensinar e maravilhar com sua prosa, seu batuque e sua cítara, Marsicano ainda nos brindou com a gravação de dois pontos de umbanda compostos por nossa mãe Lurdes, na obra Nordeste Oculto*, com o grupo Cabruêra e Chico Cesar. Um destes pontos foi criado, em transe de incorporação, por Exu Veludo, durante uma festa de ciganos, quando a entidade pediu para Marsicano tocar na cítara algo celta e, concentrando-se na escala musical imediatamente iniciada, entoou os versos: Vai, meu cavalo, vai! Vai, meu cavalo, vai! Vai, meu cavalo, voa sem sair deste lugar! Vai, meu cavalo, vai! Vai, meu cavalo, vai! Vai, meu cavalo, voa sem sair deste lugar! Em meu cavalo branco de crinas esvoaçantes, Sobre um rochedo alto e bem de frente para o mar... Vai, meu cavalo vai... * Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FmliR2xIyGA 6 RESUMO Preso, no fim dos anos 60, Joanides escreveu sua autobiografia, Boca do lixo, publicada em1977, mais uma "radiografia histórica da Boca do Lixo" do que uma autobiografia, segundo ele, narrando sua trajetória no crime, o despejo das prostitutas da zona do Bom Retiro no ano novo de 1954 e analisando sociologicamente, num viés marxista não utópico e decadentista de involução do processo histórico, a malandragem, agregada em torno das prostitutas que reuniam trabalhadores e marginalizados na boemia da cidade. É considerado o introdutor do revólver no submundo paulistano, onde predominava o uso da navalha e do punhal. Seu livro é uma engenhosa construção literária para ao mesmo tempo entreter os leitores e desconstruir a lenda de "rei da Boca do Lixo" criada pela imprensa. A ironia e desdém com que narrou no livro a morte de um "caçador de bandidos" famoso por ter o "corpo fechado" aponta o contraste do autor com o meio iletrado do submundo paulistano, identificando-se com o projeto europeizante de modernização da cidade, não com a cosmovisão mágico-religiosa dos trabalhadores que a erguiam e que afluíam de Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, formando e difundindo a Umbanda no eixo Rio-São Paulo, intimamente ligadas à noção de "corpo fechado", criticada causticamente por Joanides. Apreciando a icônica figura (produto de exportação brasileiro) de Zé Pilintra, "gravata vermelha, terno branco e chapéu de banda" (ponto de umbanda), Exu, e da famosa Pombogira Maria Padilha, no contexto da macumba paulista, duas narrativas se cruzam, a do rei da Boca do Lixo no submundo paulistano, contada por Joanides, e a do rei da Boemia no espiritismo brasileiro, psicodramatizadas nas incorporações mediúnicas das entidades. Da cultura popular brasileira em formação no eixo Rio-São Paulo da primeira metade do século XX, emergiu a famosa entidade espiritual que incorpora nos médiuns dos terreiros de Umbanda e trás a linha dos malandros, o "rei da boemia, Zé Pilintra" (fins do século XIX -1930), mestre juremeiro do sertão nordestino que foi para a cidade e se tornou doutor. Palavras-chave: "Boca do lixo", autobiografia de Hiroito de Moraes Joanides (1936-1992); São Paulo dos anos dourados; malandragem, prostituição e repressão policial; espiritismo e Umbanda. 7 ABSTRACT Imprisoned, in the late 1960s, Joanides wrote his autobiography, Boca do lixo, published in 1977, more a "historical radiograph of Boca do Lixo" than an autobiography, according to him, narrating his trajectory in crime, the eviction of prostitutes from the Bom Retiro area in the new year of 1954 and sociologically analyzing, in a non-utopian Marxist bias and decadentista of involution of the historical process , the rascality, aggregated around the prostitutes who gathered workers and marginalized in the bohemian city. It is considered the introducer of the revolver in the são Paulo underworld, where the use of the razor and dagger predominated. His book is an ingenious literary construction to at the same time entertain readers and deconstruct the legend of "King of the Mouth of garbage" created by the press. The irony and disdain with which narrated in the book the death of a "bandit hunter" famous for having the "closed body" points to the contrast of the author with the literate medium of the são Paulo underworld, identifying with the Europeanizing project of modernization of the city, not with the magical-religious worldview of the workers who raised it and who flocked from Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais , Rio de Janeiro, forming and spreading to Umbanda on the Rio-São Paulo axis, closely linked to the notion of "closed body", criticized caustically by Joanides. Appreciating the iconic figure (Brazilian export product) of Zé Pilintra, "red tie, white suit and band hat" (point of umbanda), Exu, and the famous Pombogira Maria Padilha, in the context of the São Paulo macumba, two narratives intersect, that of the king of Boca do Lixo in the são Paulo underworld, told by Joanides, and that of the king of Bohemia in Brazilian spiritism, psychodramatized in the mediumistic incorporations of the entities. From Brazilian popular culture in formation on the Rio-São Paulo axis of the first half of the 20th century, the famous spiritual entity emerged that incorporates into the mediums of the terraces of Umbanda and brings the line of the rascals, the "king of bohemia, Zé Pilintra" (end of the 19th century -1930), sworn master of the northeastern hintercountry who went to the city and became a doctor.
doi:10.11606/d.8.2021.tde-09042021-171540 fatcat:x42mzp5libcudkpjuepfkwa7mu