A era Nara e o tratamento

Tae Suzuki
1969 Estudos Japoneses  
A vida em um meio social pressupõe a existência de uma série de com promissos, normas ou regras que orientam os indivíduos que dela participam em sua relação com os demais indivíduos. Uma sociedade ou comunidade existe porque é um conglomerado de indivíduos organizado por regras por ela estabelecidas e, por outro lado, o indivíduo é uma existência concreta que ocupa um lugar nessa sociedade ou comunidade, vivendo, realizando e re produzindo as regras estabelecidas. A linguagem de tratamento
more » ... ém é viver essas regras sociais na me dida em que marca, no discurso e pelo discurso, as relações de ordem social ou psicológica do enunciador com as pessoas implicadas em um determinado contexto de situação. O dono do discurso expressa pelo tratamento a consi deração que ele nutre pelas pessoas do discurso, a partir de fatores sóciocult urais que definem a relação entre ele e os outros, tendo como eixo sua pró pria posição nessa inter-relação. Dentro da perspectiva de um estudo da interação entre língua e socie dade, neste trabalho, apresento os resultados de uma reflexão sobre as etrutura social da era Nara (séc. VIII) e sua inter-relação com o tratamento le vantado nas primeiras obras em língua japonesa surgidas nessa época. A apreensão do uso de tratamento de épocas passadas só é possível através das formas lingüísticas empregadas em textos o que não reflete a situação de uso em toda sua extensão. Além da peculiaridade de um texto escrito que faz com que seu autor opere uma seleção da linguagem empregada, muitas vezes traiçoeiras à realidade do tratamento, torna-se difícil, por exemplo, detectar uma intencionalidade subjetiva mais recôndita do enunciador como indig nação, frustração ou rebeldia, contrariando a tensão imposta pelas regras so ciais. Este trabalho, portanto, baseia-se primordialmente na análise dos fato res sociais relativos às pessoas do discurso, para o que será feita; inicialmen te, uma explanação sucinta da evolução da sociedade japonesa até o século VIII, sua estruturação neste século e, posteriormente, uma reflexão sobre a inter-relação entre aspectos sociais da época e os tratamentos levantados. Formação do Estado Japonês Os primeiros documentos que se referem à estrutura da sociedade ja ponesa datam do século VIII (Kojiki, "Registro de Coisas Antigas" e Mhonshoki, "Crônicas sobre o Japão") mas, por serem obras fortemente mar cadas pela mitologia ou elaboradas dentro de uma preocupação pela divinização da figura do imperador, pouca credibilidade pode ser dada a exatidão dos fatos nelas arrolados. Dados mais concretos são encontrados em docu mentos históricos chineses do início da era cristã (séc. I-III), que dão conta do surgimento de tribos formadas por clãs que se desenvolvem em grandes unidades, caminhando para a unificação nacional nos fins do século III. Por volta da época em que o Japão vivia a cultura Yayoi (aproximada mente séc. n i a.C. -III d.C.), estabelecem-se os primeiros contatos com o continente asiático, via Coréia, de onde os japoneses recebem o bronze, as técnicas da rizicultura e da tecelagem. Até então, nas terras japonesas geolo gicamente dadas como do período plistoceno, tinha se desenvolvido a cultura Jômon (início por volta do ano 7400 a.C.), basicamente marcada pelo uso da pedra lascada e polida, por utensílios de cerâmica de terracota com motivos gravados por cordas torcidas. Embora o bronze tenha entrado pela primeira vez ao Japão durante a época da cultura Yayoi, este metal não exerce forte influência na cultura japonesa que já conhecia o ferro, mais largamente utili zado por causa da sua maior resistência. Devido a seu resplendor, o uso do bronze é restrito a oferendas a deuses ou a enfeites, e o breve período de sua utilização faz com que o Japão praticamente salte da Idade da Pedra direta mente à do Ferro. O que modifica substancialmente a vida dos japoneses é a introdução da rizicultura que, com a contribuição do ferro utilizado nos utensílios de trabalho sobre a terra, toma os japoneses sedentários, dando origem a nú cleos familiares que criam, posteriormente, as tribos ou aldeias. Assim se referem os documentos chineses ao Japão dessa época: 1. Kanjo, "Livro da Dinastia Hang", do século I: em Wa (nome pelo qual o Japão era designado pelos chineses), para além de Paktche (Coréia), exis tem pouco mais de cem tribos. 122 ESTUDOS JAPONESES ESTUDOS JAPONESES 125 4. Alguns historiadores atribuem o primeiro esboço do primeiro código (de Ômi) ao impera dor Tenchi (no poder de 662-671), mas não há provas conclusivas. ESTUDOS JAPONESES 127 dito fica por conta dos órgãos burocráticos, a cargo de funcionários cuja hie rarquização sofre constantes mudanças. Os órgãos administrativos assim se organizavam: a parte e acima dos demais, o Ministério de Negócios Divinos, jingikan; o Ministério de Negócios Supremos, dajôkany composto do Conselho de altos dignatários, Kugyô, que são os Ministros, daijin e os Conselheiros, nagon e sangi; o Conselho recebe os relatórios do Controle, bertkan, que, por sua vez, recebe os relatórios dos oito Departamentos, shô, e a estes comunica as decisões do Conselho. QUADRO DOS ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS Ministério dos Negócios Divinos, Jingikan Ministério dos Negócios Supremos, dajôkan Ministros da Esquerda, sadaijin da Direita, udaijin Conselheiro Maior, dainagon Menor, shônagon Auditor, sangi \ Controle da Esquerda, sabenkan Departamento dos Negócios da Corte, nakatsukasashô dos Ritos, shikibushô dos Negócios da Nobreza, jibushô da População, minbuschô da Direita, ubenkan dos Negócios Militares, hyôbushô da Justiça, gyôbushô do Tesouro, ôkurashô do Palácio, Kunaishô do Centro, chüben Menor, shôben Os serviços eram prestados por funcionários que eram classificados em nove cargos, um inicial mais oito correspondendo, cada um, a um grau, divi didos em dois níveis (superior e inferior) nos três primeiros e em quatro (su perior maior, superior menor, inferior maior e inferior menor) nos demais. São os seguintes os principais cargos criados à época: dajôdaijin, ministro Supremo de Negócios do Estado, raramente atribuído; 128 ESTUDOS JAPONESES
doi:10.11606/issn.2447-7125.v0i11p121-140 fatcat:znfiaahotjastjazciatpgdno4