Processo analítico e alteridade
Talya S. CANDI
2019
Blucher Social Sciences Proceedings
unpublished
O objeto analítico : a terceiridade como processo Segundo o psicanalista francês André Green a modernidade no âmbito da psicanálise surge pela conjunção de duas fontes. Por uma lado as contribuições decisivas dos autores pósfreudianos (particularmente M. Klein, W. Bion, J. Lacan e D. W. Winnicott) à teoria freudiana e, por outro lado, os novos horizontes da epistemologia cientifica do final do século XX particularmente os que abraçam dentro da sua teoria a complexidade e os paradoxos (E. Morin,
more »
... G. Edelman, I.Matte-Blanco ). A psicanálise contemporânea se encontra assim no cruzamento destas duas velhas novidades que ao possibilitar reunir diferentes tradições pós-freudianas num conjunto coerente nos permite falar em terceira tópica . Esta nova tópica contempla tanto as teorias da relação de objeto como as que enfatizam o lado do sujeito freudiano da pulsão desfazendo assim antigas oposições entre o dentro e o fora , o intra-psíquico e o intersubjetivo possibilitando ampliar a reflexão acerca de velhos problemas . A teórica psicanalítica não pode no entanto se afastar da pesquisa clinica inerente à produção do pensamento em psicanálise, a clinica desperta inquietações e exige constantemente um processo de elaboração dos afetos. Para Green, não existe apenas uma teoria psicanalítica da clínica 3 , mas um pensamento clínico. Este último decorre de um modo específico e original da elaboração teórica produzida pelo contato vivo com a experiência analítica. Esta racionalidade particular, surge a partir da per-laboração da atividade fantasmática do analista relativa à transformação dos movimentos afetivos que se manifestam ao longo da sua escuta. Ao se configurar no movimento de uma escrita, o pensamento clínico é caracterizado por sua capacidade de convocar no participante uma linha associativa de representações e de evocar uma experiência afetiva relativa . 1 Este trabalho foi apresentado na mesa "Transferência e alteridade: desconcertos" com Ana Maria de Andrade Azevedo no eixo "Psicanálise e suas clinicas" no I Simpósio Bienal "O mesmo, o outro: Psicanálise em movimento" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. 2 Membro associado da SBPSP, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. 3 Para mais, remeto o leitor ao texto: GREEN, André.[1999] Pour introduire la pensée clinique in La Pensée Clinique. Paris: Odile Jacob, 2002. Estas perspectivas, clinica e histórica, inerentes ao pensamento de André Green, nos permitem escutar e acolher a complexidade das formações do inconsciente que como Freud percebeu rapidamente a partir das suas primeiras observações com as histéricas se manifesta como um reduto de irracionalidade e de atemporalidade que se alimenta de uma lógica complexa e paradoxal. A psicanálise, ciência do inconsciente humano é por excelência o domínio das alteridades, alteridades internas ao sujeito (cuja paradigma é o próprio inconsciente) que o submetem, alteridades externas que o interpelam e o convocam . A essência do processo analítico para André Green reside na possibilidade sempre inquietante de entrar em contato com estas alteridades que possuem um potencial traumático. Diz ele: "Farei a hipótese de que o procedimento psicanalítico deveria aproximar-se da descoberta do Outro (interno e externo), e abrir a possibilidade de amar, se separar e se reencontrar, sem riscos catastróficos, mas sempre incluindo a incontornável eventualidade de ter que enfrentar um luto" 4 . Neste artigo, junto com André Green nos aproximaremos destas alteridades e dos seus destinos no decorrer do processo psicanalítico . Alteridade e o sujeito psicanalítico Seguindo a tradição freudiana, André Green pressupõe que a pulsão, matéria prima da sexualidade humana , é a matriz do sujeito psicanalítico. Ela se manifesta para o núcleo egóico arcaico como uma força cega 5 , uma urgência basicamente inapreensível e irrepresentável que procura vias de figurabilidade e representabilidade através das junções que ela consegue estabelecer entre diferentes modalidades representativas internas (tais como excitação , estados corporais , afeto , sensação, fantasias e traços perceptivos) e das ligações que vão se tecendo a partir da resposta 6 que a realidade externa e os objetos primários lhe fornecem . As moções pulsionais enraizadas no Id são o patrimônio da vitalidade do sujeito , elas se manifestam como um caldeirão cadente , uma alteridade dolorida , excessiva na sua essência , que submetem o self e deixam o sujeito num desamparo radical.
doi:10.5151/isbsbpsp-33
fatcat:hm63ppxoizb25ora6cjgwprz44