Justiça: um critério para o legislador
Bruno De Mendonça Lima
2016
Revista da Faculdade de Direito
1. O homem só pode viver em sociedade, isto é, em convtvencia, com outros sêres humanos. Não existe homem algum possa viver absolutamente isolado, sem receber auxílio de outros homens. Apontam-se casos ·esporádicos, como o do marinheiro escocês Alexandre Selkirk" abandonado em uma das ilhas Juán Fernandez, ao largo da costa~ chilena, onde viveu ·durante cinco anos, e cujo diário inspirou a Daniel .De Foe o seu famoso romance Robinson Crusoe. Mas em tal caso . . a sobrevivência do homem isolado
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... ó foi possível em conseqüência da. vida anterior em sociedade, que lhe dera aptidões ~que lhe permitiram lutar pela subsistência, e também pela ajuda que lhe proporcionavam as armas e utensílios que êle havia adquirido durante a vida . . em sociedade. Se Robinson tivesse sido abandonado na ilha no dia em que nasceu, não teria vivido vinte e quatro horas. 2. Se o homem vivesse isolado, a sua atividade só teri.t como. limite as posisbilidades materiais. Vivendo em sociedade, porém" a realização da vontade de um homem pode ser impedida ou embaraçada pela atividade de outros homens. Para que a vida social seja possível, e para que ela possa produzir a maior soma de.: benefí.cios e o mínimo de prejuízo, é necessário, pois, estabelecer uma limitação da atividade de cada homem, para que ela se possa harmonizar com a atividade de todos. Quando não fôr possível a harmonia entre dois interêsses colidentes, um deve ser sacrificado" e o outro protegido. Mas qual dos dois interêsses deve ser s·acrificado? Se dois homens querem o mesmo objeto, a qual dos dois., êsse objeto deve ser assegurado? Uma solução simplista seria deixar que a fôrça ou a astúcia resolvesse o conflito. Mas se tal solu-. ção fôsse erigida em regra geral, a vida social acabaria por se tor-.. nar impossível, pois que ela não daria vantagens seguras para nin---931guém, nem mesmo para o mais forte. Êste sempre correna o ns-· co de encontrar um mais forte do que êle, ou de se defrontar com~ uma coligação de fracos que o sobrepujasse. Contudo, não há dúvida de 'que a fôrça e a astúcia têm conseguido estabelecer em certas épocas regras de conduta entre os homens. Um povo conquistador, por exemplo, impõe sua vontade aos vencidos, transforma-se em classe dominante e estabelece pela fôrça e pela astúcia regras. que a classe dominada deve obedecer. Mas eJJtre os próprios dominantes, dado que êles são igualmente fortes, a fôrça não pode· servir de critério para a limitação das atividades. As próprias regras imp~ostas pela fôrça ou pela astúcia, quando submetidas a um exame racional, mostram-se inadequadas ao aperfeiçoamento do, convívio social. E embora, mesmo nas legislações mais modernas, ainda se encontrem numerosos preceitos obrigatórios, que têm seu fundamento na fôrça ou na astúcia, a favor de uma classe domi-. nante, o certo é que nas mais longínquas civilizações os sábios, os; pensadores, os filósofos, os grandes legisladores e condutores de povos têm sempre buscado um outro princípio, <JUe não a fôrça oUJ a astúcia, para delimitação dos interêsses em conflito. Nas mais, remotas eras surgiu a idéia de justiça como o único critério racional para o estabelecimento de normas que limitassem a atividade indi~ vidual em benefício da coletividade. 3. Embora a idéia de justiça seja tão antiga como a socieda~ de e a civilização, contudo até hoje não se pode dizer que o seu conceito e a sua definição estejam claramente estabelecidos. Kelsen afirma que tôdas as tentativas e esforços para determinar o conteúdo da idéia de justiça terminaram em vãs tautologias, em me:.... ro jôgo de palavras. (1) Entretanto o grande filósofo jurista espanhol Recaséns Siches, ex-professor da Universidade de Madrid',. e atual professor da Universidade Nacional do Méxicó, em sua re;.. cente obra "Vida Humana, Sociedad Y Derecho", salienta que ê impressionante, em 25 séculos de Filosofia, a coincidência do pensamento de tôdas as escolas, quanto à idéia de justiça em geral'y, ao mesmo tempo que há as mais árduas controvérsias teóricas e as mais sangrentas lutas políticas, quanto aos problemas de aplicação prática dessa idéia ( 2 ). O filósofo suiço Cathrein, sacerdote jesuíta, mostra a pouca atenção que os modernos juristas têm dado à noção de justiça. ( 3 ) E embora essa observação tenha sido feita no comêço dêste século, continua válida até hoje. Há obras notáveis
doi:10.22456/0104-6594.66061
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