A guerra do mato. Resistência à escravatura e repressão dos fugitivos na ilha de São Tomé (séculos XVI-XVIII)
Arlindo Manuel Caldeira
2020
Desta forma, para o trabalho na ilha ou em trânsito para outros destinos, muitos milhares de escravizados africanos desembarcaram em São Tomé. Desse enorme contingente, uma percentagem que ainda é arriscado quantificar acabou por fugir, por mar, procurando regressar ao continente, ou por terra, para as zonas mais florestadas da ilha. Neste trabalho, consideraremos apenas as fugas por terra. As fugas em embarcações não só já foram objecto, noutra ocasião, de um texto nosso 4 , como, bem ou mal
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... cedidas, significavam um corte definitivo com a ilha, o que as exclui do âmbito deste artigo. Provavelmente, mais do que em qualquer outro território colonial, as condições físicas naturais (e até algumas das alterações ambientais que resultaram da colonização) facilitavam a fuga dos escravizados e defendiam-nos de eventuais perseguições. A ilha de São Tomé, com uma superfície aproximada de 860 km 2 (cerca de um terço da área do distrito de Lisboa, menos de um décimo do distrito de Beja) apresenta, sobretudo na metade ocidental, uma orografia acidentada, com uma dezena de serranias com declives acentuados e centenas de metros de altura. Algumas delas ultrapassam mesmo os mil metros, como é caso dos picos de Ana Chaves (1636 m), Cabumbé (1403 m) ou de São Tomé (2024 m) 5 . À data da sua descoberta pelos portugueses, a ilha de São Tomé era coberta por floresta tropical (a que os portugueses chamavam mato e os africanos iriam chamar ôbô 6 ) até quase à orla do mar. Por circunstâncias diversas, algumas delas devidas, como veremos, à insegurança, praticamente só foi agricultada a fachada nordeste da ilha e, durante plantações e trabalho escravo na ilha de São Tomé», in Margarida V. R. Machado et al. (coord.), Para a história da escravatura insular nos séculos XV a XIX, Ponta Delgada, CHAM, 2013, pp. 25-54. 4 «A viagem improvável. Tentativas de regresso ao continente africano de escravos das ilhas de São Tomé e do Príncipe (séculos XV-XVIII)», in O Colonialismo Português e os PALOP -Novos Rumos da Historiografia, Colecção Estudos Africanos do CEAUP, Famalicão, Ed. Humus, 2013, pp. 119-133. 5 Francisco Tenreiro, A ilha de São Tomé, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1961, pp. 23-24. 6 A palavra ôbô, que surge tanto no Forro de São Tomé como no Principense, tem origem Kwa, parecendo provir do Bini o'go. (Luiz Ivens Ferraz, The creole of São Tomé, Joanesburgo, Witwatersrand University Press, 1979, p. 97).
doi:10.34632/povoseculturas.2017.9022
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