Ilusões do desenvolvimento: ilusões da prática da docência
Igor Zanoni Constant Carneiro Leão, Denise Maria Maia
2010
Revista Economia & Tecnologia
Entre os muitos aspectos que distinguem a escola de primeiro e segundo graus da geração entre o final dos cinqüenta e o início dos setenta, um pouco ao acaso podemos citar um sentimento de solidariedade social criado no que Ricardo Bielchowsky chamou de "o ciclo ideológico do desenvolvimentismo" e que a ditadura militar não pode apagar ou perderia de todo sua já contestada legitimidade. Ele significava que ao menos ideologicamente todos tinham lugar à mesa da Pátria, com seus serviços úteis
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... o quando modestos como o do indispensável lixeiro. Este por sua vez tinha um salário real provavelmente muito maior que o de seus colegas atuais, o que dava maior consistência à fábula. Muitos de nós lembram que, antes da ditadura militar, prevalecia entre escola, criança e lar um ambiente como o que nós dois vivemos pessoalmente. No banco da escola, manejando nossas canetas de pena de aço molhadas num tinteiro de vidro, sabíamos que não nos perderíamos no futuro. Estávamos na escola, e ignorávamos os que não estavam, nossos pais tinham profissões liberais ou eram operários, militares, corretores de imóveis, mas todas essas profissões garantiam o sustento da família e as expectativas quanto às crianças podiam ser vividas em um clima pacífico. É claro que existiam as "crianças da rua", os mais pobres, e nós, os ascendentes de classe média, mas a apartação social estava longe da que viria a acontecer nos anos oitenta, com sua pobreza abjeta, suas drogas, seu lixo midiático e sua miséria. Os professores também eram muito respeitados porque sabíamos da sua importância para nós, especialmente os mais pobres de nós. Mais do que isso, eram um dos nossos, nossos segundos pais, a escola era nosso segundo lar. Nós tivemos professores no primário e ginásio experientes, que tinham posições respeitáveis na cidade, escreviam livros e tinham excelente formação, ganhavam razoavelmente, como nossos pais, e dispunham de tempo para nos desasnar. Pensando nas diferenças entre o ensino fundamental e o médio cursado pelas duas últimas gerações deste século XX, é fácil elaborar uma lista compreensível e de boas razões dessas diferenças. Estas últimas se originam nas duas grandes crises do último quartel do século XX, a crise do milagre sobreposta à do petróleo, e a crise da dívida externa que condiciona fortemente nosso estilo de crescimento e nossas opções políticas e econômicas nos anos 80 até este final de primeira década do século XXI, quando outra crise internacional veio travar a economia nacional, dada a sua estrutura, herdada das outras duas mencionadas. Este período longo e turbulento se passa dentro de um quadro ainda marcado no Brasil por um contestado, mas sólido poder político da direita tradicional, dos grandes proprietários de terra e donos do Congresso, com enorme poder local e regional, e a direita liberal e privatizante de matriz udenista com eixo no PSDB e poder nos grandes centros urbanos de São Paulo e Minas Gerais. A opção hoje no poder, de matriz desenvolvimentista associado a um conjunto de emergentes, os chamados BRIC's, tem uma visão social e democrática mais expressiva e de maior apelo popular, sintonizando-se com a maior parte da América do Sul, mas ainda deixando de lado questões fundamentais ao futuro do país e do mundo, como a do meio ambiente, como se vê na ênfase dada ao ecologicamente anacrônico petróleo das camadas recém descobertas do pré-sal. Por outro lado, esta instabilidade econômica com estabilidade política conservadora majoritária ocorreu no contexto de um país que viveu uma grande revolução agrária e agrícola, uma urbanização criadora de metrópoles marcadas pelo desemprego, a fome, a desigualdade social e políticas sociais incapazes de atuar sobre o novo quadro urbano de forma coerente, rápida e eficaz. A revolução tecnológica associada à crise e ao novo paradigma neoliberal dominante nos anos noventa, e ainda não totalmente exorcizado, aumentou nosso desemprego e marginalidade estruturais, e a educação, em particular, de pequena importância no campo tradicional, passa a ter uma importância nas novas
doi:10.5380/ret.v6i1.27034
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