A "dimensão moral" do romance de Machado de Assis
Pedro Meira Monteiro
2009
Estudos Avançados
ÃO SERÁ de todo exagerado imaginar que os estudos sobre Machado de Assis conformam um grande cenário em que as principais tendências da crítica literária brasileira, tomada amplamente, se desenrolam e se dramatizam. Como se, nos debates que hoje envolvem os nomes mais notáveis da crítica machadiana, se atualizasse muito daquela efervescência que marcou a recepção coeva da obra madura de Machado, e que se estampa tão bem nas divergências entre Sílvio Romero e José Veríssimo. Para além do juízo
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... gativo ou positivo, ou do suposto "erro crítico" de Romero, o que estava (e talvez ainda esteja) em questão são as relações do autor com o seu tempo, e a opção por compreendê-lo a partir de elementos que apontam para o entorno social, para as especificidades "brasileiras" de sua obra, ou, diferentemente, para as suas inspirações literárias mais remotas que, tomadas isoladamente, terminariam por afastá-lo do Brasil, convertendo-o, na nossa imaginação, em um autor mais "universal". Tais categorias (um Machado universal versus um Machado local) são evidentemente insuficientes, se não simplesmente falsas. Mas talvez valha a pena observar com mais cuidado, ou mesmo com alguma simpatia, o sentido profundo dessa contraposição tão simples, que a nossa boa consciência crítica manda relativizar, ou então recusar. Talvez aí, na tensão inaugurada por seus contemporâneos, estejam traçados muitos dos rumos que todavia hoje os estudiosos de Machado de Assis seguimos, ainda quando procuramos refutar os artifícios da dualidade. O livro de José Luiz Passos, Machado de Assis: o romance com pessoas, vem em muito boa hora, e se instala, repleto de questões e provocações, no seio da crítica machadiana. Há o que celebrar, seja pela qualidade da escrita, seja pela novidade da abordagem, e pela maneira como ele reflete várias tendências críticas. Não se trata, contudo, de novidade absoluta ou momentosa. O livro é antes o resultado de uma escuta paciente e demorada da voz dos grandes leitores de Machado, num diálogo muitas vezes implícito, embora frontal, com as matrizes que nos ajudam a compreendê-lo. Mas é também verdade que, ao mergulhar na constituição da "pessoa moral" no romance machadiano, José Luiz Passos está, em certo grau, dando novas formas a argumentos que estão em Augusto Meyer e, mais recentemente, em Alfredo Bosi. Argumentos que reclamam, enfim, uma atenção especial e um investimento crítico forte naquilo exatamente que tornaria Machado "nosso contemporâneo", não, aliás, por conta de alguma qualidade extraordinária que o faça pairar além de seu tempo e seu espaço, mas simplesmente pelo "tratamento que deu às motivações humanas, pela minuciosa composição de heróis que refazem suas próprias histórias na medida em que são alvo da mirada alheia" (p.24). Sabe-se que a discussão das "máscaras" em Machado aponta, já na crítica de Meyer, mas sobretudo em Bosi, para uma
doi:10.1590/s0103-40142009000200028
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