Variação Fônica e Léxico-semântica no Português do Brasil a partir de Dados do Projeto ALiB
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Vanderci de Andrade Aguilera, Maria do Socorro Aragão, Aparecida Negri Isquerdo, Jacyra Andrade Mota
2016
Rumos da linguística brasileira no século XXI
O Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), iniciado em 1996, tem como objetivo primordial a elaboração de um atlas linguístico do Brasil, no tocante à CAPÍTULO 4 74 Rumos da linguística brasileira no século XXI: historiografia, gramática e ensino língua portuguesa, preenchendo, na área da Geolinguística, uma lacuna apontada por diversos pesquisadores, desde meados do século XX 1 . Do ponto de vista metodológico, segue os parâmetros da Geolinguística Pluridimensional Contemporânea, buscando
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... cumentar não apenas a variação diatópica, como nos atlas hoje identificados como "tradicionais", mas também dimensões como a diagenérica, a diageracional, a diastrática ou a diafásica. Para atingir tal objetivo, registra a fala de indivíduos dos dois gêneros, de duas faixas etárias -a mais jovem, de 18 a 30 anos, e a mais idosa, de 50 a 65 anos -e, nas capitais, de níveis de escolaridade diferentes -fundamental e universitário -, em discursos também diversificados quanto ao grau de espontaneidade, variando o tipo de pergunta -mais direta, como no questionário fonético-fonológico (QFF), ou menos direta, como em algumas questões dos questionários morfossintático (QMS) e semântico--lexical (QSL), -e incluindo a solicitação de relatos de fatos pessoais e da leitura de um texto, além de questões de pragmática e de natureza metalinguística. Os dados assim obtidos, apesar de restritos a oito informantes, nas 25 capitais que constituem a rede de pontos do ALiB, e a quatro, nas demais localidades, vêm documentando, ao lado da variação diatópica, o prestígio de determinadas variantes e fornecendo indícios a respeito de algumas mudanças em curso no português do Brasil, como se verifica em cartas experimentais e artigos publicados nos últimos anos com análise do corpus ALiB, sobretudo referente às capitais 2 . Reúnem-se, neste artigo, exemplos de variação fônica e semântico-lexical, discutindo, também, a questão do continuum rural e urbano na norma lexical do português do Brasil, com base em variantes lexicais. As variantes fônicas analisadas -realizações africadas palatais (em muntcho, dodjo) -apontam indícios de mudança em curso, no português do Brasil, em direção às oclusivas dentoalveolares [t, d] (muito, doido), mais prestigiadas. No nível semântico-lexical, analisam-se itens lexicais que correspondem às seguintes perguntas do Questionário Semântico-lexical (QSL) que integra o Questionário Linguístico do Projeto ALiB (Cf. Comitê Nacional, 2001): (a) "barras coloridas que aparecem no céu, antes ou depois da chuva" (QSL 17); (b) "inseto de corpo comprido e fino, com quatro asas bem transparentes, que voa e bate a parte traseira na água" (QSL 85); e (c) "lugar pequeno, com balcão onde os homens costumam ir beber cachaça e também se pode comprar alguma outra coisa" (QSL 202). 1 Em 1952, através do Decreto nº 30.643, regulamentado pela Portaria nº 536 de maio do mesmo ano, o Governo Brasileiro, ao criar a Casa de Rui Barbosa, determinou como sua principal finalidade a elaboração de um atlas linguístico do Brasil. 2 Em 2014, foram publicados os volumes 1 e 2 do Atlas Linguístico do Brasil. Cf. CARDOSO et al, 2014a; CARDOSO et al, 2014b. As realizações africadas, depois de /j/, em vocábulos como muntcho, dodjo (ao lado de muito, doido), foram identificadas por Silva Neto (1986) como "importante traço de um dialeto bastante conhecido em todo o Brasil: o baiano". Documentam-se não só nos falares baiano e nordestino (considerando a subdivisão de áreas dialetais proposta por Nascentes (1953)), mas também em outras áreas, como, por exemplo, na faixa litorânea de Santa Catarina, com relação à variante desvozeada, como observado por Furlan (1989) , e em Lagoa da Pedra e Canabrava, comunidades rurais de afro-descendentes, no estado de Tocantins, estudadas por Dias (2009). Variação diatópica No corpus do ALiB analisado por Mota e Santos (2012), referente às capitais do Nordeste, as africadas baianas se documentam, principalmente, em Maceió (com 60% e 0,88 de peso relativo) e em Aracaju (com 26% e 0,56 de peso relativo), vindo a seguir, com índices menores, em ordem decrescente: Natal, com 18% e 0,49 de peso relativo; João Pessoa, com 13% e 0,31 de peso relativo; Recife, com 10% e 0,27 de peso relativo; e Salvador, com 9% e 0,22 de peso relativo. (A esse respeito, cf. Tabela 4.1). 3 Para essa análise, contou-se com a participação de bolsistas de Iniciação Científica -CNPq/ UFBA, sob orientação de Jacyra Mota.
doi:10.5151/9788580391824-04
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