A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil: contribuições, equívocos e silêncios

José Alberto Magno de Carvalho, Fausto Brito
2005 Revista Brasileira de Estudos de População  
A população brasileira vivenciou, no final do século passado, rapidíssimo declínio da fecundidade. Sua taxa de fecundidade, em três décadas, passou de 5,8 para apenas 2,3! O artigo analisa as atitudes e posições dos estudiosos da população diante de tal fenômeno. Para entendê-las, há de se levar em conta o contexto internacional polarizado pelos blocos socialista e capitalista. Entre os cientistas sociais brasileiros predominava, em oposição aos neomalthusianos e à política americana, posição
more » ... ara contra a presença do Estado no campo da reprodução. Tinham duas fortes convicções: 1) não havia, em geral, demanda por anticoncepção e 2) o ritmo do crescimento populacional e seu tamanho eram neutros, do ponto de vista do bem-estar social. O grande embate ideológico está ultrapassado. A transição da fecundidade no Brasil já avançou muito. No entanto, há segmentos de mulheres, as mais pobres, que ainda carecem de informação e de acesso aos meios para regular sua prole. Por outro lado, a sociedade não está tirando partido de algumas oportunidades geradas pelo declínio da fecundidade, nem se preparando para enfrentar os novos desafios, que são conseqüência desse mesmo declínio. Ainda predominam silêncios, entre demógrafos e estudiosos da população, sobre esses aspectos. Palavras-chave: Transição da fecundidade. Controle da natalidade. Neomalthusianismo. Planejamento familiar. Falar da diminuição da fecundidade no Brasil é também entrar em assunto controverso em que os diversos contendores desqualificam, de saída, os argumentos que contrariam suas posições. São visões radicais e incompatíveis. No debate sobre planejamento familiar é preciso medir as palavras. Cada expressão usada será o signo de um complexo ideológico que tem as suas raízes na maneira de ver a conservação ou a mudança na estrutura econômica. Estas posições, quando cristalizadas, servem de freio à análise e dificultam a leitura dos fatos. Ao ser retomada agora a discussão, depois de um longo esquecimento, parece que surgiram as condições para a elaboração de uma posição não comprometida com as já históricas contendas entre natalistas e antinatalistas. Não foi só o tempo que desgastou o debate, foram também as mudanças ocorridas na sociedade e a presença de novos atores em nossa arena política. (Ruth Cardoso, 1983, p. 2) R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005 A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil Carvalho, J.A.M. e Brito, F. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005 A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil Carvalho, J.A.M. e Brito, F. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005 1 Na década de 60, as migrações entre campo e cidade no Brasil representaram uma perda líquida, para a população rural, de 13,6 milhões de pessoas (aí incluídos os efeitos indiretos de migração), que correspondia a 25% do que seria a população rural em 1970, caso tivesse permanecido fechada durante a década. Nos anos 70, esses valores foram de 18,2 milhões e 32%, respectivamente. Devido a esses fluxos, a população urbana foi, em 1970, 35% e, em 1980, 29% maior do que seria na ausência, em cada década, de fluxos migratórios entre os setores rural e urbano (Carvalho e Garcia, 2002). A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil Carvalho, J.A.M. e Brito, F. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005 2 A posição oficial dos Estados Unidos foi, durante décadas, favorável à implementação de políticas de controle de natalidade nos países subdesenvolvidos, como instrumento imprescindível à superação do "círculo vicioso da pobreza". Aquele país liderou a corrente controlista nos diversos fóruns e Conferências Internacionais de População, inclusive na de Bucareste, em 1974. Em 1984, na Conferência do México, durante o governo Reagan, teve, surpreendendo seus aliados europeus, uma posição mais moderada, chegando, inclusive, a explicitar em sua declaração oficial que "o crescimento populacional, em si mesmo, é um fenômeno neutro" (citado por Finkle e Crane, 1985, p. 2), assim como a afirmar que os fundos governamentais americanos não deveriam ser usados em atividades relacionadas ao aborto ou em apoio a instituições que o promovessem (Finkle e Crane, 1985; Demeny, 1985) . Nos governos seguintes, os Estados Unidos voltaram a apoiar, no exterior, em maior ou menor grau, as atividades em planejamento familiar, com exceção do atual (George W. Bush), que tem uma posição semelhante à do governo Reagan. 3 Índia e México foram os dois países analisados por Coale e Hoover no livro Population growth and economic development in lowincome countries, de 1958, que proveu aos neomalthusianos os argumentos mais convincentes no campo da economia, apesar de os autores defenderem uma posição intermediária entre as correntes intervencionista e não-intervencionista quanto ao crescimento populacional (Coale, 1978, p. 415-416). Carvalho, J.A.M. e Brito, F. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005 4 P, parturição, refere-se ao número médio de nascidos vivos, por mulher, até uma determinada idade. F corresponde à fecundidade corrente acumulada até a mesma idade. A fecundidade corrente é obtida a partir da informação, por idade da mulher, do número de filhos nascidos vivos nos 12 meses anteriores à data do censo ou survey. 5 Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Amapá. 6 Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. 7 Ao se analisar o comportamento da série P/F deve-se desconsiderar, por razões teóricas e também relacionadas à qualidade dos dados, o primeiro valor, isto é, aquele das mulheres com 15 a 19 anos de idade.
doi:10.1590/s0102-30982005000200011 fatcat:lmjgtzgd5zcl7dlowsj6fkl6tu