Areia
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Cybèle Celestino Santiago
2007
Argamassas tradicionais de cal
Argamassas tradicionais de cal • 111 O material denominado areia, na acepção atual, é composto por um determinado tipo de partículas presentes no solo, partículas essas cujas dimensões estão contidas em uma faixa granulométrica específica (0, 15-4,8mm). De modo que até mesmo a pozolana foi considerada, antigamente, em vários textos anteriores ao século XIX, como uma areia. Suas características, contudo, serão comentadas oportunamente. No entanto, apesar de constituir-se em uma fração
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... ica específica do solo, as areias distinguem-se das argilas, siltes e pedregulhos, não apenas pelo tamanho de seus grãos, mas também pela sua constituição mineralógica e química. Composta geralmente por silicatos (quartzo), as areias quase não apresentam reatividade, daí serem normalmente consideradas como inertes. No entanto, podem também ser encontradas areias carbonáticas, dependendo do tipo de rocha a partir do qual foi gerada. Isso ocorre, por exemplo, na Península de Yucatán, México, região de solo eminentemente calcário, cuja areia de praia (Praia de Cancún), analisada no NTPR, apresenta em sua constituição 95,5% de carbonato. Esse tipo de areia, ao que parece, não era comum nos locais utilizados até o século XVIII como fontes de matérias-primas para as construções, pois são encontradas na bibliografia recomendações do uso de ácido para demonstrar que a areia não era atacada por este produto. O primeiro texto encontrado indicando as qualidades e características das areias como material de construção foi o tratado de Vitrúvio. Assim como as demais informações dadas sobre outros materiais, o que este autor escreveu sobre as areias foi repetido pela maioria daqueles que o 112 • Cybèle Celestino Santiago sucederam, que eventualmente complementaram a informação do mestre romano ou até mesmo fizeram alguma espécie de crítica. Vitrúvio não deu uma definição específica para o material, mas descreveu os diversos tipos que conhecia e sua utilização. Segundo Vitrúvio, deveria ser dada preferência à areia de jazida, que secava rapidamente, suportava peso e, quando usada em revestimento, propiciava sua boa durabilidade. No entanto, esse tipo de areia, se recémescavado, era inconveniente para rebocos (misturado com palha e cal), por fissurar. Por outro lado, não poderia permanecer exposto às intempéries por um período muito longo, para não se deteriorar. Na falta desta, recomendou usar a de rio, a melhor de todas, em sua opinião, para estuque. A de mar podia ser usada em último caso, mas demorava a secar, não suportava o carregamento e os sais nela presentes afetavam o reboco 1 . Giovanni Branca informou que alguns autores acreditavam que a areia era um conjunto de pequenas pedras. Na opinião destes, a melhor era aquela que entrasse em menor quantidade em uma medida de cal 2 . Considerar a areia como um conjunto de pedras pequenas fazia até algum sentido. Porém a referência à argamassa forte, como sendo indicativa da boa qualidade da areia, está truncada. Na realidade, é da qualidade da cal que ela depende. Sabe-se, hoje, que a participação da areia (SiO 2 ) nas argamassas dá-se apenas no sentido de redução do custo e alteração da porosidade do material resultante. Logo, quando a cal é de boa qualidade, ela comporta muita areia, formando uma boa argamassa, e barateando o custo da obra. Se a areia for igualmente de boa qualidade e puder entrar em maior quantidade na argamassa, melhor, pois reduzirá as despesas da construção sem se constituir em uma fonte de problemas. Giovanni Branca recomendava ainda preparar uma argamassa para identificar se a areia apresentava características desejáveis à construção, já que até o momento não havia ensaios laboratoriais de caracterização do material. Deste modo, o veredito final possivelmente era dado com base no traço que, na prática, fosse considerado como adequado à execução da obra. Briseux também recomendou que assim se procedesse, sugerindo, inclusive, que fosse feita uma pequena parede-teste, de modo que, após secagem, pudesse ser verificada a capacidade de aderência da argamassa 3 .
doi:10.7476/9788523208875.0004
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