Ciência e teatro como objeto de pesquisa

Carla Almeida, Luiz Bento, Gabriela Jardim, Maíra Freire, Luís Amorim, Marina Ramalho
2018 Ciência e Cultura  
o diálogo entre a ciência e o teatro é antigo. Com forte presença na literatura, a ciência vem inspirando uma série de dramaturgos ao longo da história. Desde Dr. Fausto, de fins do século XVI, até a contemporânea Copenhagen, peças sobre personagens, temas e acontecimentos do universo científico já ganharam os palcos de diversos teatros. O fato é que a vida de cientistas, seus dilemas éticos e morais, suas descobertas e os seus impactos são um prato cheio para a dramaturgia e, por meio dela,
more » ... sido possível compartilhar parte dessa história com um grupo grande de pessoas que vão ao teatro. Mais recentemente, a divulgação científica tem lançado mão, de forma cada vez mais recorrente e diversa, de elementos teatrais em suas iniciativas práticas. Nesse contexto, vários argumentos têm sido mobilizados em prol da união entre ciência e teatro. Os divulgadores entusiastas dessa parceria e alguns autores que se debruçaram sobre o tema argumentam que, por meio das artes cênicas, é possível: mobilizar sentidos e emoções [1]; abordar temas complexos de forma envolvente [2,3]; tratar aspectos controversos, éticos e políticos da ciência; explorar o lado humano dos cientistas [4]; desconstruir a suposta frieza da atividade científica e aproximá-la do público [5]; e, por fim, estimular a reflexão sobre o avanço do conhecimento humano e suas implicações [6] . Com esses e outros objetivos, museus e centros de ciência têm contemplado a interface ciência e teatro em suas programações. Em levantamento recente, Medeiros e Marandino [7] identificaram, no Brasil, 14 museus de ciência que realizam atividades teatrais, incluindo desde a contação de história até o teatro mais convencional, passando por esquetes, circo, dança, shows de ciência, repentes, entre outras. Independentemente do tipo de atividade, o que se observa em relação ao teatro nesses espaços é uma diversidade enorme de experiências. Em alguns museus as atividades teatrais são esporádicas, enquanto em outros integram a programação permanente; uns contam com equipes amadoras, outros, com profissionais; uns se baseiam em dramaturgia já existente, outros criam seus próprios textos e espetáculos. Para além dos museus de ciências, há grupos universitários e companhias independentes trabalhando na interseção entre ciência e teatro, com bagagens e propósitos diversos. Especialmente para esses grupos, o evento Ciência em Cena tem se consolidado como um espaço importante de troca de experiências sobre a interação entre esses dois campos. O evento, criado em 2007 pelo Núcleo Ouroboros de Divulgação Científica -inserido no Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) -, chegou em 2017 à sua décima primeira edição. Realizado entre 13 e 17 de agosto do ano passado, o XI Ciência em Cena contou com a apresentação de 17 peças teatrais, a realização de 10 oficinas e a participação de cerca de 200 pessoas [8] . Se por um lado as iniciativas unindo ciência e teatro são cada vez mais numerosas na divulgação científica, por outro, a literatura acadêmica sobre o tema ainda é escassa e, em grande medida, estrangeira. Isso significa que conhecemos pouco o conjunto do que está sendo feito no campo e sabemos menos ainda sobre como o teatro tem de fato contribuído para a divulgação científica. A fim de compreender melhor as diversas facetas da interface ciência e teatro, um grupo formado por divulgadores da ciência e pesquisadores da área do Museu Ciência e Vida/Fundação Cecierj (Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro) e do Museu da Vida/Fiocruz -dentre os quais estão os autores deste artigo -iniciou, em fins de 2014, um projeto de pesquisa sobre o tema. A proposta do grupo é analisar uma série de experiências teatrais, especialmente em museus de ciências, com o intuito de conhecer os públicos dessas atividades e seus hábitos culturais; entender como recebem as atividades teatrais oferecidas por essas instituições e os fatores que interferem nessa recepção; e verificar o diferencial do teatro em meio a outras estratégias de divulgação científica. Também estamos interessados em atestar o potencial da interface ciência e teatro para aquisição de capital cultural. ciêNcia e arte No MUseU ciêNcia e ViDa e No MUseU Da ViDa O projeto aqui apresentado une profissionais e pesquisadores de dois museus que compartilham características comuns: são espaços interativos de divulgação e engajamento na ciência, voltados ao público amplo, escolar e espontâneo; estão situados em regiões desprivilegiadas, onde moram indivíduos com acesso escasso a serviços básicos e a opções de cultura e entretenimento; e reconhecem a importância e investem, cada um a seu modo, em atividades de lazer educativo e cultural, como veremos a seguir. O Museu Ciência e Vida é um centro interativo de ciências localizado em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, região com um dos índices sociais e educacionais mais baixos do estado do Rio de Janeiro e carente de equipamentos culturais e opções de lazer. Aberto ao público em julho de 2010, o museu, que integra o programa de divulgação científica da Fundação Cecierj, é fruto de uma política pública voltada às necessidades locais, tendo sido pensado e planejado para suprir, em parte, a falta de oferta cultural na região. Dentre as atividades desenvolvidas pelo museu, destacam-se as exposições, sessões de planetário, oficinas interativas e encontros com cientistas, voltadas ao público escolar e espontâneo. O centro também promove exibições de filmes e apresentações musicais, buscando se consolidar como um espaço de entretenimento para os moradores da Baixada Fluminense. Além disso,
doi:10.21800/2317-66602018000200011 fatcat:nw33oul6grgkzbovnxzxipispe