ORALITURA E MEMÓRIAS: O ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS DE ITAPAGIPE/MG E VALORIZAÇÃO DA MEMÓRIA DAS POPULAÇÕES NEGRAS
[chapter]
M. R. J. BARBOSA
2022
DA TEORIA À PRÁTICA: METODOLOGIAS, PESQUISAS E ENSINO DE HISTÓRIA
Para que serve a história? Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. (Anzaldúa, Gloria. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo) Nunca o Brasil precisou tanto de seus historiadores e historiadoras como nestes tempos sombrios. De um lado para contar a história de suas gentes, nas mais variadas perspectivas -uma história
more »
... interseccional que leve em consideração a classe, a raça, a sexualidade, a geração, sem preconceitos, e,por outro lado, uma história contada por pesquisadoras/es das mais variadas partes do país, trazendo as margens, as periferias para a centralidade. Uma história contada entre teorias e práticas, é o que se propõe este livro intitulado "Da teoria à prática: Metodologias, Pesquisas e Ensino de História" e que se divide em três eixos fundamentais -ensino, teorias e metodologias. É justamente isto que me encantou neste livro, que agora prefacio, sua especial riqueza -a diversidade, a multiplicidade de abordagens, demonstrando o quanto necessitamos construir uma memória das margens. Quando falo da necessidade da história nestes tempos difíceis, de atrasos e retrocessos em todas as áreas, é pelo paradoxo em que vivemos. A disputa pela memória histórica é uma luta que escancara a tentativa de desqualificação, da ciência, da educação, das Ciências Humanas em especial, o que campo em que nos situamos. Historiadores e historiadoras sempre nos alertaram de que onde não há documentos, não há história. Nesta perspectiva necessitamos construir os documentos, porque os sujeitos obscurecidos, esquecidos na narrativa universalis-ta, nunca mereceram um espaço nos arquivos tradicionais. Falo dos/as pobres, das/os indígenas, das mulheres, dos/as negros/as e tantos outros. A historiadora Margareth Rago ao apresentar o livro de Keith Jenkins, A história Repensada, traduz esta problemática: Afinal, o que faz o historiador? Para que e para quem busca o acontecido? A partir de que instrumentos, teorias, valores e concepções recorta seus temas, seleciona seu material documental e produz sua reescrita do passado? E, aliás, de que passado se trata? Dos ricos e dos pobres? Dos brancos e dos negros? Das mulheres e dos homens especificamente considerados? Das crianças e dos adultos? Ou do de uma figura imaginária construída à imagem do branco europeu, pensado como ocidental? 1 Precisamos seduzir os leitores com bons textos históricos e, ao mesmo tempo adotar novos métodos de análise realizando um deslocamento de prioridades e perspectivas. Isto nos obriga a colocar sob suspeita o universalismo, fazendo uma crítica inclusive a linguagem que historicamente subsumiu sujeitos. Atravessar este muro, olhar sobre ele, lançar novas perguntas sobre o domínio, que numa relação de poder e saber como nos ensina Michel Foucault, alguns poucos exerceram sobre tantas e tantos faz parte da democratização da história. A liberdade em fazer perguntas que não foram feitas, produz o surgimento de uma história que estava escondida em tantas narrativas. A crítica ao universalismo se reveste de fundamental importância quando a encaramos como a afirmação da diversidade e da diferença, relegadas aos silêncios históricos, que também são produzidos. Durval Muniz de Albuquerque Junior, um historiador que admiro e respeito, entre tantos motivos, por trazer as margens ao centro do debate histórico, possui um livro cujo titulo encerra toda sua proposta: História, a arte de inventar o passado. Durval defende que a história fabrica, inventa, os objetos e sujeitos, assim como rio inventa o seu curso e suas margens ao passar. Ele nos alerta de que, nada do que ficou arquivado do passado foi inocentemente. O arquivo, seja de textos, seja de objetos, é fruto de operações políticas e de 1 Margareth Rago.: "A história repensada com ousadia", em A História Repensada, São Paulo, Contexto, 2007, p.12. sentido. Mesmo aquele documento ou vestígio do passado que possa ter chegado até nós por puro acaso foi produzido no seu tempo obedecendo a intencionalidades, ou seja, as evidências em seu próprio tempo são fabricadas(...) Somos nós que evidenciamos, colocamos em evidência dado evento ou conjunto de eventos e, no mesmo ato, esquecemos ou jogamos para os bastidores outros tantos acontecimentos. Michel Foucault possui um texto pouco estudado talvez, A vida dos homens infames, onde nos fala da existência de vidas indesejáveis que não foram nada na história, não desempenharam nos acontecimentos nenhum papel importante, são personagens que não fazem parte de uma história oficial, universal, de heroísmo e de glória. Pessoas "infames", com suas vidas singulares, que não são glorificadas, mas que deixam rastros mesmo que enigmáticos e breves, do seu encontro com o poder. Fazer a história das pessoas sem história deve ser um desafio para o historiador. Se defendemos a democratização da história, tudo aquilo que pesquisamos e escrevemos deve estar disponínel ao alcance de todos, onde nossa voz possa produzir efeitos sociais. Porque as pessoas continuam a gostar da história e suas narrativas. E, concluindo, -para que serve a história? Mais do que nunca, fazer história hoje além de disputar memórias, trazendo à visibilidade sujeitos e sujeitas, fatos, acontecimentos, os sem-história, transformou-se em ato político. Parabéns a Ary Albuquerque Junior pela organização desta obra que, certamente, nos obriga a fazermos uma reflexão sobre o momento presente, entendo a história como uma busca de múltiplas e intermináveis possibilidades.
doi:10.48209/978-65-89949-ht-r
fatcat:uidimkxz5vgobkfefx6qmaartq