MOVIMENTO SOFÍSTICO DA GRÉCIA (V E IV A. C.): O TRABALHO DE ENSINAR

José Sílvio Oliveira
2018 Conjectura filosofia e educação  
Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 23, n. 3, p. 513-540, set./dez. 2018 513 José Sílvio de Oliveira Resumo: Investigar a natureza do trabalho de ensinar dos sofistas na Grécia (séculos V e IV a. C.) é o objetivo deste artigo. É amplamente reconhecido o preconceito histórico-ideológico que a própria palavra sofista carrega ao longo da história da educação. Afirmamos, preliminarmente, que não vamos arrancar essa marca intrincada que, em certo sentido, assinalou o caráter dos primeiros
more » ... balhadores do ensino na civilização ocidental. No horizonte histórico-filosófico, quando a visão cosmológica é substituída pela antropológica, são os sofistas responsáveis pelo nascimento de nova profissão: a do trabalho de ensinar. De domínio ideológico, político, econômico e vinculado ao âmbito teórico-metodológico, o problema pode ser traduzido na seguinte pergunta: Em que medida pode-se afirmar que o Movimento Sofístico, de fato, era um movimento desprezível e, portanto, aproveitara da sua obra, a educação, em favor da esfera econômica? Indagar os sofistas é perguntar qual é o sentido e os princípios da atividade do ensino em sua abrangência e complexidade histórico-teórica. Sabemos perfeitamente bem que a finalidade prática do trabalho, nessa época, era negada em todos os aspectos. Portanto, queremos responder às causas sobre o sentido, de fato, do trabalho sofístico. De caráter bibliográfico, este artigo tem (como fontes principais de pesquisa), as obras de Platão, Aristóteles, Xenofonte e Aristófanes, as secundárias, as de Werner Jaeger (2001), Henri-Marrou (1990), Mario Alighiero José Sílvio de Oliveira * 5 Movimento Sofístico na Grécia (séculos V e IV a. C.): o trabalho de ensinar The Sophistic Movement in Greece (V and IV a. C.): the work of teaching Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 23, n. 3, p. 513-540,set./dez. 2018 Movimento Sofístico na Grécia (séculos V e IV a. C.): o trabalho de ensinar Manacorda (2010), Giovanni Reale (1993) e Anibal Ponce (1994). Foram consultadas também obras nacionais e internacionais. Palavras-chave: Sofistas. Trabalho. Educação. Abstract: Investigating the nature of the sophists' work as teachers in Greece from the V to IV century BCE is the aim of this article. The historical and ideological bias that the term sophist itself carries throughout the history of education is extensively recognized. Preliminarily, we state we are not going to disproof this intricate stigma that, in a sense, shaped the early educational workers' character in western civilization. In the historical and philosophical horizon, when the cosmological vision is replaced by the anthropological one, sophists are responsible for a new profession birth: the work of teaching. Being of an ideological, political, economic domain, and bound to the theoretical-methodological scope, the problem can be translated into the following question: To what extent can it be said that The Sophistic Movement was indeed a contemptible one and, thus, it has taken advantage of its own work, the education, in favor of the economic sphere? Asking the sophists is to ask what the principles and meaning of the teaching activity are in its coverage and its historical and theoretical complexity. We know perfectly well that the practical purpose of work was denied in all aspects at that time. Therefore, we expect to answer the causes of the real meaning of sophistic work. Due to the bibliographical character of this article, three sources of research were consulted as follow: firstly, (1) Plato, Aristotle, Xenophon and José Sílvio de Oliveira arcaica, bem como do Oriente próximo. "De facto, são inúmeros os exemplos de obras em que nos aparece determinada personalidade a aconselhar uma outra sobre a melhor forma de actuar." (LEÃO, 2008, p. 13). Nessa visão, significava o homem que dominava a linguagem, que tinha em si a potencialidade de fazer distinção entre os conceitos; era aquele que sabia separar as opiniões do saber, e, mais que isso, sabia distinguir o sentido das falácias. Portanto, sábio. "Sofista era aquele que orientava [...] um soberano sobre um tipo de conduta a adoptar ou, na versão mais familiar, na imagem do pai que procura zelar pela formação do filho". (LEÃO, 2008, p. 13). Como sábio e conselheiro, logo, é aquele que apreendeu a não confundir e a não fragmentar o conhecimento, o saber, a ciência, a técnica, as letras, as artes, o ensino, enfim, a educação em seu sentido amplo. Obviamente, o sofista não é um filósofo e, portanto, sua profissão tem peculiaridades distintas. É aquele que tem a capacidade de não ofuscar e enfraquecer o verdadeiro sentido do saber. Entretanto, escrevemos e falamos sofista, porém, lemos e entendemos: indivíduo que utiliza as palavras para enganar, para trapacear, isto é, para usar raciocínio falacioso, a fim de obscurecer o sentido verdadeiro dos fatos, dos acontecimentos, da realidade. Essa representação se perpetua desde os tempos de Platão (427-348 a. C.). Aliás, com ele nasceu o preconceito contra os sofistas. Aderiam a isso, seu discípulo Aristóteles (384-322 a. C.) e o discípulo de Sócrates, Xenofonte (430-355 a. C.). Na comédia, As Nuvens, de Aristófanes (447-385 a. C.), o próprio Sócrates (469-399 a. C.) é tido como um sofista. Em defesa da nova educação ateniense, Aristófanes escreveu sua peça teatral para mostrar aos atenienses que a escola sofística era uma farsa. Os sofistas foram, antes de tudo, os primeiros trabalhadores do ensino; mais que isso, os pioneiros dessa atividade. Foram eles os primeiros profissionais da arte da retórica. Afirma Mario Alighiero Manacorda (2010, p. 78), "A arte da palavra, a institutio oratoria, se tornará de fato o conteúdo e o fim da instrução grega, assim tinham começado a ensiná-la os sofistas". Podemos, em certo sentido, afirmar que, com eles, nasce novo tipo de profissão e nova ciência. Talvez, essa seja a maior relevância desta reflexão. Aqui, o termo ciência não deve ser entendido ou lido à luz da compreensão moderna. O próprio Platão é o primeiro a fazer distinção entre saber -epistême e opiniãodoxa. A definição de epistême, de acordo com as notas da tradutora da obra O Político, de Platão, pode ser entendida como "um saber ou um conhecimento derivado ou devido a uma certa 'arte', a uma certa 'habilidade', a uma certa "perícia"." (PLATÃO, 2014, p. 193). Destarte, perguntar pelos
doi:10.18226/21784612.v23.n3.5 fatcat:yn67yjcmgzcyvmmhbu4yh6ovoe