Psiquiatras e psiquiatria na história – a propósito do livro "As raízes dos sintomas e da perturbação mental"

José Manuel Jara
2017 Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental  
Foi lançado recentemente o livro com o título «As raízes dos sintomas e da Perturbação Mental» (Editora Lidel, 2015), trabalho académico coletivo, coordenado por Diogo Telles Correia, professor de psiquiatria na Faculdade de Medicina de Lisboa. A temática do livro tem interesse evidente, pela exposição e reflexão sobre termos e conceitos e pela divulgação de biografias e teorias de autores de valor notável para a conceptualização histórica da psiquiatria. A finalidade desta recensão é ajudar a
more » ... ituar os propósitos do livro através de uma apreciação crítica. Uma primeira nota, que pode traduzir-se em vantagem ou dificuldade, resulta de o texto ser uma obra de muitos autores, o que leva a uma heterogeneidade no estilo e conteúdo dos capítulos, apesar do esforço de coordenação. Deixaremos a análise mais aprofundada dos capítulos introdutórios para o fim, depois de uma apreciação geral dos capítulos sobre a psiquiatria nos países incluídos, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Portugal e Brasil. Dado que o propósito do livro é uma divulgação de conceitos psicopatológicos e clínicos, compreende-se a escolha de autores destacados que contribuíram para criar os fundamentos científicos da especialidade. Outra história seria a das práticas assistenciais e da evolução das terapêuticas. Os autores do livro optaram por uma nota biográfica e uma narrativa sucinta dos conceitos de psiquiatras destacados da Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Portugal e Brasil, num total de 39. Forma diferente de abordar a história da psiquiatria e da psicopatologia foi seguida pela Associação Psiquiátrica Mundial (WPA), que colaborou na edição em inglês de cinco antologias de textos originais de psiquiatras franceses, alemães, gregos, espanhóis e italianos, publicados entre 2000 e 2009, e que incluem uma nota biográfica para cada autor. De igual modo, na antologia de Jacques Postel («La Psychiatrie», Ed. Larousse, 1994), incluem-se 56 autores da psiquiatria mundial, desde 1783 a 1965, combinando uma nota biográfica com um texto científico de cada um. Para * Correspondência: jmjara@netcabo.pt o leitor mais interessado fica também a referência da antologia, «Themes and Variations in European Psychiatry» (Editada por Steven Hirsch e Michael Shepherd -Bristol, 1974), que inclui textos originais de 18 psiquiatras e uma pequena nota biográfica de cada um. A evolução na conceptualização dos sintomas psicopatológicos tem tratamento magistral na obra de German Berrios, «The History of Mental Symptoms» (Cambridge University Press , 1996), autor bem conhecido em Portugal e que tem notória influência para alguns aspetos da conceção das raízes do livro em apreciação. No livro em análise não se optou pela tradução de originais. Não se trata pois de uma antologia, mas de uma descrição de teorias cuja responsabilidade cabe aos autores de cada capítulo. A ideia de narrar a psiquiatria de cada país como pertencente a uma "escola", metodologia seguida no livro, altera o sentido habitual da palavra "escola". Porquê incluir, a título de exemplo mais expressivo, a psiquiatria de Kraepelin e a psicanálise de Freud numa mesma escola "alemã", como se faz no capítulo 3? Tendo o livro uma finalidade didática teria sido importante ponderar com maior rigor este aspeto na estrutura geral da obra. A história da psiquiatria e da psicopatologia é uma fonte importante de conhecimentos que tem valor para a aprendizagem da psiquiatria clínica. A diversidade de escolas, a variedade de definições e classificações dos sintomas e doenças psiquiátricas podem conduzir a um relativismo equipotencial entre teorias e interpretações, numa erudição por acumulação de informação de tipo eclético, sem um verdadeiro saber conceptual. Nem sempre no livro em análise se teve o cuidado de evitar este risco. A opção pela seleção de originais dos autores seria neste aspeto mais fidedigna, permitindo ao leitor o saber colhido na própria fonte. O teste de avaliação final pode reforçar ideia de que saber é memorizar teorias e terminologias. Faremos alguns comentários sobre capítulos referentes a cada língua ("escola"). É proveitoso dar a conhecer nomes da psiquiatria de língua alemã que podem ser menos referidos, como Klaus Conrad, Karl Kleist e Karl Leonhard. Mas no capítulo sobre a chamada "escola" alemã, justa-Número 2, 1.º semestre de 2017, 33-35
doi:10.51338/rppsm.2017.v1.i2.57 fatcat:ke3v3jrctzb4rdcelakslpn2tm