FAKE NEWS, RELATIVISMO E DIREITOS HUMANOS

Doglas Cesar Lucas
2021 Revista Direitos Humanos e Democracia  
News, Relativismo e Direitos Humanos Quando falamos de fake news estamos falando sobre o lugar da mentira e o lugar da verdade na sociedade digital. As fake news não são algo novo, mas adquirem na sociedade digital a sua faceta mais potente. Na verdade, a sociedade digital está mudando profundamente a humanidade. E falo em termos existenciais mesmo. Estamos nos tornando diferentes. Não é apenas em relação à forma de nos comunicar, relacionar, trabalhar. As pessoas são produzidas de modo
more » ... por esses novos arranjos que a sociedade digital nos oferece. Isso nos obriga a fazer algumas perguntas: Como é possível que, apesar de tanta informação disponível, tantas formas para confirmar a veracidade das informações, viralizam campanhas contra a Ciência, contra as vacinas, contra a democracia? Como é possível, ainda hoje, o debate sobre a terra plana ganhar um lugar, por menor que seja? Como é possível negar fatos históricos publicamente conhecidos e registrados? Como podem surgir campanhas negacionistas de todos os tipos e uma interminável quantidade de teorias da conspiração (o que não é novo, mas agora potencializado)? Como é possível negar a própria morte e impor ao luto, em tempos de pandemia, uma naturalidade que ele nunca deveria ter? Por que as pessoas, mesmo estando com os olhos e ouvidos abertos, se comportam como se eles estivessem fechados? Veja-se que a própria ideia de verdade parece estar deslocada do lugar. No ano de 2016, por exemplo, segundo o dicionário Oxford, "pós-verdade" foi considerada a expressão do ano. O contexto das eleições americanas que elegeram Trump tem uma relação direta com esse acontecimento. "A mentira é mais confortável do que a dúvida, mais útil do que o amor e mais duradoura do que a verdade". Assim enunciava um personagem de Gabriel Garcia Marques como alegoria crítica aos regimes ditatoriais da América Latina (O outono do patriarca). Será que é por isso que, segundo as pesquisas indicam, as notícias falsas são propagadas com muito mais rapidez do que as verdadeiras? Será que tem razão Umberto Eco quando afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma "legião de imbecis" que antes falavam apenas "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade". "Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", afirmou o intelectual. Segundo Eco, o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade. O que isso tudo significa? A sociedade digital impõe uma nova realidade. E qual a tônica dessa nova realidade? Obviamente que não temos respostas acabadas para tais perguntas, mas alguns itinerários são possíveis. Não há dúvida sobre os avanços que a sociedade digital nos proporciona. Estamos aqui neste momento por conta dos avanços tecnológicos. Muitas conquistas tecnocientíficas melhoraram a vida da humanidade. Temos, contudo, alguns desafios a enfrentar. Já faz algum tempo que a sociedade vem se individualizando. Nesse tipo de sociedade hiperindividualizada, atomizada, as redes ocupam um lugar importante, constroem um lugar de pertença pela confirmação de si mesmo. As grandes narrativas comunitárias, nos lembra Bauman, têm sido substituídas por dinâmicas de identidade. O processo de identificação com o mais do mesmo ganha potência na Internet.
doi:10.21527/2317-5389.2021.18.12988 fatcat:uyi32seefzhtxbhzfilv3y7lji