Sobre a correlação entre a bioética e a psicologia médica
José Alvaro Marques Marcolino, Claudio Cohen
2008
Revista da Associação Médica Brasileira
RESUMO Os autores realizam um estudo a respeito de uma correlação entre a bioética e a psicologia médica. Dividem o trabalho em duas partes. A primeira discute os conceitos filosóficos sobre a distinção entre moral e ética, trata da ética ligada à medicina e dedica-se à bioética, procurando definir o que se compreende por essa disciplina, descrevendo seus três princípios básicos: a autonomia, a beneficência, não-maleficência e a justiça. Portanto, traça nesta parte do trabalho, uma trajetória
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... e partiu da ética em sua vertente filosófica até chegar à ética em sua aplicação à medicina. A segunda parte é dedicada a definição do campo da psicologia médica, estudando aspectos da relação emocional do indivíduo doente com a sua doença, da relação do médico com a medicina e enfoca o relacionamento do médico com seu paciente. Discutem algumas situações clínicas em que se observa essa correlação. No final, buscam elaborar algumas conclusões. INTRODUÇÃO "O remédio mais usado em medicina é o próprio médico, o qual, como os demais medicamentos, precisa ser conhecido em sua posologia, reações colaterais e toxicidade" Michael Balint O objetivo deste trabalho foi estudar os conceitos da bioética e da psicologia médica e discutir a hipótese de que exista uma correlação entre o campo de interesse destas duas disciplinas. A bioética é apresentada no contexto dado pelos princípios da autonomia, da beneficência e da justiça e a psicologia médica como um campo de estudo das relações humanas no terreno médico, ressaltando-se que é na prática clínica em que o médico se defronta com a sobreposição destas duas abordagens. A primeira parte apresenta uma trajetória que parte da ética em sua vertente filosófica até chegar a ética aplicada à medicina. A segunda parte é dedicada ao campo da psicologia médica, em que foram estudados alguns aspectos da relação emocional do indivíduo doente com a sua doença, da relação do médico com a medicina e do relacionamento médico-paciente. Da ética a bioética Desde a mais remota antiguidade, o ser humano vem propondo diversas questões sobre o problema do bem e do mal, quais são os significados destes termos e se de seu conhecimento podem desprender-se normas de conduta que assegurem o bem pessoal e coletivo e nos eximam dos padecimentos que nos causamos e causamos aos demais por ignorá-los 1 . A ética tem origem no grego ethikós e a moral no latim mores 2 , sendo ambos os termos referidos a costume, hábitos ou comportamento. Segundo Frankena 3 , a ética é um ramo da filosofia; é a filosofia moral ou pensamento filosófico acerca da moralidade, dos problemas morais e de juízos morais. Consiste em saber o que é correto ou incorreto, virtude ou vício, bondade ou maldade na conduta do homem ou entre um grupo de indivíduos. Já a moralidade 3 é sob certo aspecto uma empresa social e não apenas uma descoberta ou invenção individual para orientação própria. Como a Língua, o Estado, a Igreja, ela precede o indivíduo, que a ela se acomoda e dela participa em maior ou menor escala e continua a existir mesmo depois de o indivíduo desaparecer. O conceito de moralidade se apresenta como algo que guarda uma certa característica de exterioridade em relação ao indivíduo. Nos dizeres de Frankena 3 , " a moralidade não é social apenas no sentido de constituir num sistema que regula as relações de um indivíduo para com os outros; em verdade, tal sistema poderia ser uma construção inteiramente individual, como, quase inevitavelmente, são frutos de elaboração própria alguns itens do código pessoal de ação ante a outras pessoas. É social também, no que diz respeito a suas origens, sanções e função. É instrumento de que se vale a sociedade como um todo para orientação de grupos menores e de indivíduos. Faz aos indivíduos exigências que, inicialmente ao menos, são exteriores a eles". A moralidade surge então, como objetivos culturalmente definidos e como um conjunto de regras a governar a consecução de tais objetivos, que permanecem mais ou menos exteriores ao indivíduo e que nele se impõe ou inculcam como hábitos. As regras da moralidade seriam incorporadas dentro de nós por meio de uma identificação com pessoas que tem significado em nossas vidas e que reforçam nossa noção do que é correto ou sanciona o que é incorreto. Já o campo de interesse da ética surge para Frankena 3 "quando ultrapassamos o estágio em que nos deixamos dirigir por normas tradicionais e ultrapassamos também o estágio em que essas regras se entranham em nós tão profundamente a ponto de dizermos que nos sentimos dirigidos do íntimo, ingressando no período em que
doi:10.1590/s0104-42302008000400024
pmid:18719797
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