Mímico Dadá

Hal Foster
2012 Boletim de Pesquisa NELIC  
O bispo mágico É uma representação célebre, mas ainda assim extraordinária. No dia 23 de junho de 1916, no Cabaret Voltaire, em Zurique, Hugo Ball estreia os seus poemas sonoros ou os poemas-sem-palavras: "As minhas pernas estavam em um cilindro de cartolina azul brilhante que vinha até o meu quadril, assim eu parecia um obelisco", conta em Voo fora do tempo (Flight out of time), o seu grande diário de 1914-21: Por cima, usava uma imensa gola de casaco recortada de cartolina, escarlate por
more » ... o e ouro por fora... Também usava um chapéu alto, listrado de azul e branco, de médico-feiticeiro... Fui levado até o palco na escuridão e comecei lenta e solenemente: "gadji beri bimba / glandridi lauli lonni cadori / gadjama bim beri glassala / glandridi glassala tuffm i zimbrabim / blassa galassasa tuffm i zimbrabim..." Então, notei que a minha voz não tinha outra escolha a não ser assumir a antiga cadência da lamentação sacerdotal, aquele estilo de canto litúrgico que geme em todas as igrejas católicas do Oriente e do Ocidente. Por um momento, era como se houvesse um rosto pálido e perplexo na minha máscara cubista, aquele rosto meio aterrorizado e meio curioso de um garoto de dez anos, tremendo e dependurando-se avidamente nas palavras do padre, nos réquiens e nas grandes missas da sua casa paroquial... Banhado em suor, fui carregado para fora do palco como um bispo mágico 2 . Na performance, Ball é parte xamã, parte padre, mas também é uma criança novamente em transe por uma magia ritual: portanto, menos uma combinação entre papa e blasfemador em um só, do que exorcista e possuído. Esse pandemônio (literalmente: "domicílio de todos os demônios; lugar de violência sem lei ou de algazarra; confusão absoluta") é um objetivo dos dadaístas. Ainda assim, nesse caso é demais para Ball, pois, logo após ele ter apagado, se retira de Dadá para enfim retornar à Igreja. "Jamais consegui dar boas vindas ao caos". 1 Foster, Hal. "Dada mime", em: October, n 105, Verão de 2003, p. 166-176. Agradeço a Byron Vellez, Luz Adriana Sánchez e Rosário Lazaro, os primeiros leitores desta tradução, por suas sugestões valiosas. O título original possui, na verdade, uma ambiguidade que não se mantém em português: pode significar tanto "Mímico Dadá", como "Mímica Dadá". Embora a opção por "Mímico Dadá" (sem o artigo definido, que poderia ter incluído em português) não conserve a ambiguidade do original, se justifica por incluir os outros artistas de que trata o texto (não somente Hugo Ball) e pelo fato de Hal Foster também tratar do sujeito em geral no contexto dadaísta (N. da T.). 2 Ball, Hugo. Flight out of time: a Dada diary (1927). Trad. Ann Raimes (Nova Iorque: Viking Press, 1974).
doi:10.5007/1984-784x.2012v12n17p96 fatcat:mzogqm6prfeo7akjmuiozru4dq