ETICA E POL(TICk PRESSUPOSTOS PARA CIENCIA

Roberto Romano
unpublished
As f regiléntes discussOes sobre a Mica, realiza-das em versos recantos do Pars, mostram uma preocupecão legftima. Mas o prOprio fato de sua existencla evil:Janda algo estar ecedor. "Nada Igor, disse um dia Horkheimer, do que alguém mergu-Ihado na massa, gritando... contra a massa". Nada pior, glosarfarnos, do que pessoas imersas em certa ca, esbravejando contra etas mesmas. Te-mos Indfcios e provas: vivemos num clime valora-tivo bastante marcado pelas relagOes de favor, desde o nfvel famNiar
more » ... e as mais altas esferas estatais. Esta 6 a nossa (Rica. No Brasil, a deter-minacão universal dos direitos humanos 6 quase inexistente. Favor e vioancia. Trazemos na came na alma as marcas contraditOrias do pior servi-lismo e da mais ensandecida agressividade. Nunca sabemos a hors em que o nosso pr6ximo ira nos matar "gratuitamente", ou quando ale nos adularit visando pedir-nos algum servico. Poder-se-ia afirmar: trata-se de fenOmeno human universal. Conhecemos os tratados antigos modernos sobre a lisonja e a tirania, freqUenta-mos Platão, Arist6teles, Plutarco, Seneca, Maquia-vel, Espinosa, Montaigne, Francis Bacon, Heidegger tantos outros, o bastante para conhecer os danos que a natureza dupla do pretenso animal racional pode causar, quando movido polo medo ou pela esperanca. 0 Direito, o Estado, a Igreja, enfim, as instituicOes de carater disciplinador foram previstas para isto: domar o lobo adormecido em Sabemos que etas visam conter a fbria da hiena que tamb6m habita sob nossa pale. As regras jurfdicas foram ideadas sobretudo contra os hip6-critas. Estes sào lobos e hienas, mas, como veihas raposas, apresentam-se enquanto mansos cordei-ros. No SobrInho de Rameau, o filesofo das luzes por excelência, Diderot, descreve esse estado de alma que perpassa todo o reino animalesco do espfrito, especiaknente o mundo estranho dos inte-lectuais. "No interior da natureza, todas as esp6-cies se devoram; todas as condigOes se devoram na sociedade. Nos justigamos uns aos outros, sem que a lei se intrometa". Estado da natureza, estado social: ambos prolongam a vloiência. No primeiro ela 6 insensivel e necessaria. No segundo ela consciente e hip6crita. Corn cinismo lucido, afirma o SobrInho do grande mbsico no didlogo de Diderot: "Quando digo vicioso, 6 para usar a vossa lingua; pois entrarfamos num acordo, talvez, e poderia ocorrer que v6s chamisseis vfcio o qua eu chamo virtude, e virtude, o que eu chamo viola". Na vide natural, os sores se devoram pars conti-nuar vivendo. Na sociedade, a comilamga 6 mais cruel, pois nito ocorre apenas no campo somatico. A violetncia esti na ponta da lingua, garra mais letffera do que as unhas. Flexivel, ela se volts, ao mesmo tempo, pars tudo e todos. J6 o drama-turgo e poeta Racine, na trilha de tantos outros, como Shakespeare, utilizou a onomatopeia para descrever a lingua humans. Trata-se da Ultima cena de Andr6maca. Orestes enxerga Hermione tentando proteger seu inimigo, Pirro. Ela jogs contra ale olhares ameagadores. Pergunta-se o her6i: "Quels Onions, quels serpente traine-t-elle aprbs soi? H6 bien1 Fines d'enfer, vos mains sont-elles prates? Pour qui, sootces serpents qui sifflent sur vos tides?". 0 chiado horrendo, o coley sugerido no cicioso discurso, tudo isto recolhe a fala das paixOes e do mando. Os "superiores" humans encontram na lingua a forma mais sun(de assassinato reciproco. Volta-mos ao SobrInho de Rameau: "Parecernos, alegres, mas, no fundo, temos pêssimo humor e grande apatite. Lobos são menos esfaimados; tigres, me-nos crubis. Devoramos como lobos, quando a terra • Texto apresentado no I Seminario de Pesquisa do Centro de Educacao e CiOncias Flumanas-UFS-abril/1992. 1 "Quaffs demOnios, serpentes, ela arrasta consign? Pots beml Fahos do Inferno, vossas rnitos estao prontas? Por que sao essas serpentes que assobiam sabre vossas cabecas?"
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