O espectador como Narciso, o teatro como espelho. Considerações sobre as peças Amor no Espelho, de Giovan Battista Andreini, e Narciso, de Jean-Jacques Rousseau
Ana Portich
2011
Literatura e Sociedade
Resumo Peças de teatro como Amor no espelho, escrita por Giovan Battis ta Andreini em 1622, e Narciso, de Jean-Jacques Rousseau (1752), tematizam a condição de um espectador submetido à moral estabelecida ou inserido em determinada estrutura política. Portanto, aqui o mito de Narciso e o tema do espelhamento não se restringem ao âmbito da psique individualizada. Abstract Theatre plays as Amor nello specchio, written by Giovan Battista Andreini in 1622, and Jean-Jacques Rousseau' s Narcisse
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... ), thematize the condition of a spectator submitted to the established morality or inserted in a determinate political structure. Thus, here the myth of Narcissus and the theme of mirroring do not restrict themselves to the realm of individualized psyche. Palavras-chave Filosofia; teatro; Rousseau. Keywords Philosophy; theatre; Rousseau. ANA PORTICH O espectador como Narciso, o teatro como espelho 135 Já na segunda metade do século XVI são registrados argumentos moralizantes para justificar a eclosão do teatro profano ocorrida então. Como diz o mantuano Leone de Sommi em seus Quatro diálogos em matéria de representação cênica, escritos por volta de 1570, para que se possa "retirar utilidade e prazer juntos, obtendo tanto proveito do exemplo de outrem", é preciso "revelar as virtudes que se tem a imitar e os vícios aos quais cumpre fugir e verberar". 1 Deve-se permitir que a comédia trate de todo tipo de assunto e mostre não somente as boas ações, mas também dê a ver os defeitos, as falhas morais das personagens. Em um espetáculo mencionado por Sommi, "nada movia tanto ao riso prazeroso quanto certas coisas viciosas ou luxuriosas ou vis apresentadas, na maioria das vezes, por duas criaturas facetas (para não dizer dois bufões), um velho e um jovem". 2 Nesse espetáculo, a grosseria e a lascívia foram introduzidas por bufões, personagens ridículas mas não malevolentes, que fazem rir com prazer, sem agressividade. Ao levar à cena coisas vis ou luxuriosas, expõem-se erros que todo ser humano pode cometer como fruto da Queda. Desse modo, o ator presta um importante serviço religioso -por contribuir para a salvação das almas, ao promover o arrepen dimento -e civil, fomentando o ócio restaurador das forças, imprescindível ao exercício de profissões honestas. Paradoxalmente, o fator moralizante do teatro e sua contrapartida religiosa implicam que tenha um apelo erótico. Em peças italianas como La calandria, escrita pelo cardeal Bibbiena em 1513, ou A mandrágora, de Maquiavel (1520), proliferam temas em torno da sensualidade , como adultério, violações e androginia. A sedução exercida por atores e
doi:10.11606/issn.2237-1184.v0i15p134-143
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