Quem tem medo de Stafford Beer?

Carlos Eduardo de Senna Figueiredo
1985 RAE: Revista de Administração de Empresas  
o que diz a cibernética sobre os entraves burocráticos, cada vez mais densos, das organizações atuais? Que remédios propõe para os problemas que resultam da centralização excessiva dos governos contemporâneos? Essa ciência, engendrada nas especulações -aparentemente tão distantes da realidade -de matemáticos, físicos e engenheiros, nos anos seguintes à última guerra mundial, está definitivamente confinada aos ambientes refrigerados dos centros de controle automáticó de sistemas físicos, ou tem
more » ... elevância para as situações enredadas e prenhes de calor e raiva humana que encontramos nos labirintos das nossas burocracias? Para que serve, além de ditar regras de controle e formulações matemáticas de uso restrito à tecnologia? Há cerca de 35 anos, Norbert Wiener definiu a cibernética corno a "ciência da comunicação e controle nos animais e nas máquinas". Com essa deflnição, Wiener salientava que certas leis dos sistemas complexos são invariantes perante transformações da sua matéria. O que vale para a máquina, vale para o animal, no domínio dos fenômenos estudados pela nova ciência. Com o impulso inicial dos seus criadores, a teoria cibernética penneou vários domínios da técnica, tendo chegado a imiscuir-se, com timidez, no reino das ciências menos exatas, tais como a educação e a comunicação. Havia entusiasmo no começo. Conta-se o episódio dos engenheiros de telecomunicações que, no intervalo de um dos primeiros congressos dedicados a essa matéria, teriam aberto um diagrama da rede de telefones da cidade, e sobre ele se entregaram a discussões; foi então que outro participante do congresso, um médico, ao passar pelo grupo, olhou de relance a figura e perguntou o que eles estavam fazendo com o desenho de um dos lóbulos do cérebro humano! Para seu espanto, e para espanto de todos os que a partir daí se interessaram por esse tema, a correspondência entre a estrutura nervosa do cérebro e aquele diagrama ilustrativo de um circuito de telefonia era gritante. Mas a cibernética permaneceu nesse campo, com modesta incursão na medicina, na educação e nas técnicas de comunicação. Mais tarde, um cientista inglês chamado Stafford Beer,' preocupado com problemas de outra órbita -as organizações sociais -decidiu redefinir a jovem ciência como a "ciência da organização efetiva". Beer ressaltava que há leis de sistemas complexos que são invariantes não só com respeito a transformações do seu tecido, como também do seu conteúdo. Ampliava dessa forma' a abrangência da cibernética e incitava a expansão do seu escopo dos sistemas mecânicos e neurofisiológicos aos sistemas sociais e econômicos. Stafford era um renomado consultor de empresas para problemas de organização e otimização de processos, e não foi por casualidade que enveredou por esse caminho aberto por Wiener, poucos anos antes. Para Beer, contudo, essa enorme abrangência não pretende significar que todos os sistemas são iguais ou, de certa maneira, análogos. O que ele sustentava é que existem leis fundamentais que, desobedecidas, levam qualquer sistema complexo à instabilidade e ao crescimento explosivo, ou à incapacidade de adaptar-se e evoluir. Apontava vários exemplos de catástrofes desse tipo ocorridas entre colônicas de animais ou no seio das empresas: crescimento de rebanhos seguido de morte por falta de alimentos, oscilação de estoques de produtos ou de dinheiro em caixa etc. Enfim, a cibernética pode ajudar no estudo e na forma das estruturas organizacionais? Dá argumentos a favor ou contra a centralização das instituições sociais? Responde à questão da liberdade individual versus planejamento? Traz receitas para curar o crônico mal da burocracia? A resposta de Staffod Beer é: sim. E o critério que ele resgata dos ensinamentos de Norbert Wiener é o de viabilidade. Em que consiste esse critério? Um sistema viável não oscila a ponto de levar suas dimensões vitais a posições extremas, os sistemas complexos têm preferência pelos estados de equilíbrio, demonstram tendência que a cibernética denominou homeostase e manifesta-se porque as diversas partes componentes do sistema absorvem a capacidade que cada uma delas apresenta de perturbar o conjunto. Eis por que os organismos não toleram a temperatura do corpo acima ou abaixo de determinados umbrais, o mesmo com respeito à pressão sangüínea etc. Por outro lado, a estabilidade que interessa ao sistema não é a da rigidez, mas a do equilíbrio dinâmico, em interação adaptativa ao meio que o circunda, ou seja, em resposta às mudanças ambientais. Essa tendência é denominada adaptação pelos cibernetistas. Beer ressalta que um mecanismo voltado para garantir esse equilíbrio, um mecanismo homeostático, move o seu ponto de equilíbrio em resposta às perturbações do ambiente. Essa trajetória cumpre-se num certo período de tempo, chamado período de relaxamento do sistema, sendo que nas situações em que o intervalo médio entre os estímulos perturbadores é menor do que o período de relaxamento, o sistema ingressa em regimes oscilatórios que podem resultar explosivos, e liquidá-lo. Aqui, os sistemas que nos interessam são as organizações sociais, as instituições de uma maneira geral; apliquemos essas noções à sua análise. Uma das idéias centrais de Beer para o estudo dessas organizações comple-Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 25 (4): 73-76 out./dez. 1985
doi:10.1590/s0034-75901985000400008 fatcat:b4fokldlzncm5o2fc2gbpdtmny