Clarice Lispector e a linguagem: memórias metaforizadas em Felicidade clandestina, Restos do carnaval, Cem anos de perdão [thesis]

Juliana Gimenes
Clarice Lispector, por meio de uma linguagem figurada, faz do seu trabalho escriturai uma arte da palavra. Pela utilização de expressões metafóricas, ela fala, desperta sentimentos e emoções diversas. Sua leitura é inquietante, pois provoca o desencadeamento de diferentes emoções no leitor. Seu modo de narrar, volta-se para o ser humano como sujeito dotado de razão, mas, sobretudo de emoção. Desta forma, sua leitura é sensível, o que faz das metáforas utilizadas também sensíveis por serem em
more » ... nde parte, afetivas e subjetivas. Ao narrar as memórias da infância, a autora, por meio das três narradoras, tece suas narrativas por entre a ficção, revelando sensualidade e criatividade. A memória, então, relaciona-se com a metáfora no sentido de desvelar uma outra história contida em cada conto, que vai além da palavra, que esconde-se por meio delas. Os contos analisados neste estudo estão reunidos em um de seus livros: Felicidade Clandestina. São eles que compõem o corpus do estudo: Felicidade Clandestina, Restos do carnaval, Cem anos de perdão. Pela leitura dos contos e da relação que se estabeleceu entre eles e a teoria literária que fundamenta o trabalho foi possível chegar a algumas considerações a respeito da relação existente entre a memória e a metáfora, sendo a segunda um recurso criativo e sensitivo para expressão da primeira, o que reforça a habilidade sensível de Clarice Lispector em ser uma tecelã de palavras. ABSTRACT Clarice Lispector, through figurative language, makes his scriptural work an art of the word. Through the use o f metaphorical expressions, it speaks, awakens diverse feelings and emotions. Its reading is disturbing, because it causes the triggering of different emotions in the reader. His way of narrating turns to the human being as a subject endowed with reason, but above all of emotion. In this way, his reading is sensitive which makes the metaphors used also sensitive because they are largely affective and subjective. In narrating the childhood memories, the author, through the three narrators, weaves her narratives through fiction, revealing sensuality and creativity. Memory, then, is related to the metaphor in the sense of unveiling another story contained in each tale, which goes beyond the word, which is hidden through them. The short stories analyzed in this study are gathered in one of his books: Clandestine Happiness. They are the composers of the study corpus: Clandestine Happiness, Carnival Remains, One Hundred Years of Forgiveness. By reading the stories and the relationship established between them and the literary theory that underlies the work, it was possible to arrive at some considerations about the relation between memory and metaphor, the second being a creative and sensitive resource for the expression of the first Which reinforces Clarice Lispector's sensitive ability to be a weaver of words. INTRODUÇÃO 10 Clarice Lispector possui um acervo bastante diversificado e, em suas obras, é possível perceber traços múltiplos que marcam o estilo da autora. O leitor, mediante as narrativas envolventes de Lispector, desencadeia uma série de emoções que vão desde o aguçamento da sensibilidade ao incômodo. O conflito de sentimentos leva à percepção dos textos que causam questionamentos. É como escreve Cunha, "Clarice de muitas perguntas e, quase sempre, nenhuma resposta, ou uma resposta que seria a própria experiência de vida, de escritura e de compromisso com lúcida e dolorosa sensibilidade" (CUNHA, 2012, p. 07). Em seu trabalho escritural, Lispector vale-se de alguns recursos que expressam ações corriqueiras e, ao mesmo tempo, insólitas. Nesse espaço entre o comum e o excêntrico é que a autora se apropria da linguagem para tecer narrativas sedutoras, imersas em metáforas que constituem e se constituem de sentimentos íntimos expressos nas linhas de seus textos. Como boa tecelã de palavras, Clarice Lispector tece por entre os vazios do texto e não só o faz como também os amplia de forma que, o leitor, em uma atitude de coconstrutor, seja incentivado a preencher as lacunas das tramas. Agarrando-se à sensualidade da língua, a autora constrói e, ao mesmo tempo, desconstrói identidades, pela capacidade de posicionar suas personagens em uma condição de errância, conforme comenta Lucchesi ao observar que a autora dá vida a personagens moribundos, ou seja, seres que vivem à procura da própria significação movida pela angústia. E, acrescenta: "cuja essência repousa no fato de ela supor que a travessia existencial desemboca necessariamente num sentido finito ou num sujeito transcendental modelar" (LUCCHESI, 1987, p. 8). Os estudos de Lucchesi, nesse sentido, apontam para a problemática existencial que converge nas indagações acerca do existir, situação verificável na escrita clariceana; seja associada à voz que narra, seja das personagens retratadas. O elenco que integra suas tramas revela a dualidade entre a inconstância e a trivialidade, estando, sua maioria, em estado de metamorfose, no sentido de se descobrirem ou buscarem, insaciavelmente, por si, por um sujeito apaziguador, mesmo que tal busca seja refletida no outro. A simbologia presente nas narrativas de Lispector merece um olhar especial, uma vez que apontam para um "além de", ou seja, sua narrativa é provocativa, ousada, não
doi:10.14393/ufu.di.2017.275 fatcat:kddtrqqa4neefi5vm4vttdqkwa