A crise da cidade em jogo: o futebol na contramão em ruas da Penha [thesis]

Glauco Roberto Gonçalves
Agradecimentos Ao meu pai Roberto. Ao Carlos: meu segundo pai. À Mariah. À Odette de Lima Carvalho Seabra que orientou esta pesquisa. Sem ela estas linhas não seriam escritas. À Amélia Luisa Damiani e ao divertido e instigante grupo de leitura dos Situacionistas. Aprendo e me divirto muito com ela e com todos do grupo. Aos professores Anselmo Alfredo (e ao grupo de leituras do Capital), Heinz Dieter Heide Mann e Flávio de Campos. Aos amigos Fábião, Felipe, Rogê, Carlão, Fred e Maurinho
more » ... fundamental desta pesquisa. Sem você a sinuca não seria a mesma e os livros do João Antônio não existiriam). À Teresa por, entre tantas outras coisas, ter revisado o texto para a qualificação. Aos amigos de infância da Vila Ré: com eles vi e vivi a potência que a rua pode ter. À Casa do Dez e à casa da Afonso Vaz. Aos amigos de escola (Bisteca, Hirano, Marcos e Junior). Ao TTV e todos seus jogadores. Ao amigos de escalada, Gironha, Valadão e todos os outros. À Rádio Várzea e todos que por lá estão ou estiveram. Ao Samba do Bule. Ao CNPQ pelo financiamento desta pesquisa. A vida vem valendo muito a pena com a participação e presença de todos vocês. Resumo Através do futebol de rua jogado no bairro da Penha em São Paulo, esta pesquisa tentou compreender a crise da cidade e do lúdico no processo de urbanização da sociedade. O entendimento desta problemática foi abordado em duas etapas, a primeira destinou-se à reinterpretação da história do futebol brasileiro dando ênfase ao futebol improvisado, costumeiramente denominado "pelada". Na segunda etapa, foi analisada a psicogeografia da infância e do uso da rua na cidade. O que exigiu o estudo do cotidiano na metrópole atrelado ao fim da vida de bairro e ao predomínio do automóvel sobre a rua. Palavras-chaves: urbanização, futebol de rua, lúdico, cotidiano, Bairro da Penha, infância, periferia. Abstract It was through the street football played in the Penha district, São Paulo, that this research attempted to understand the crisis of the city and the ludic in the urbanization of society. The comprehension of this problematic was adressed in two stages, the first one intended to reinterpret the history of brazilian football with emphasis on improvised football, frequently called "pelada". In the second stage, the focus was the psychogeographic analysis of childhood and street use in the city. This required the study of everyday life in the metropolis linked to the end of neighborhood life and the car supremacy on the streets. A CRISE DA CIDADE EM JOGO O futebol na contramão em ruas da Penha Índice Apresentação 6 Introdução 9 PARTE I -O futebol contra o jogo 13 A "sucção da subida", a prontidão e o futebol tornando-se brasileiro 14 O esforço histórico de negação da pelada 30 O futebol das elites 42 O futebol como negócio 46 O fim das trocinhas 53 O futebol de rua 62 Os futebóis de rua, variações das variações: modalidades e "regras" 70 Competir não é jogar: tempo livre, o futebol de rua, o lúdico e o negócio contra o ócio 83 PARTE II -O que sobrou da cidade? 93 O tempo, as crianças e as ruas 94 A infância subjugada 106 Cotidiano e urbanização 115 Bairro e periferia 125 A rua do automóvel 144 BIBLIOGRAFIA 153 ANEXOS 160 trazendo à tona a possibilidade de lidar com a noção de espaço diferencial tratada por Lefebvre. A colonização e a miséria que pesa sobre o cotidiano não se fazem de maneira uniforme e única, elas apresentam variações dentro do mesmo tom. Sem deixar de ser colonizado e miserável, o cotidiano que se desenrola dentro, por exemplo, de um luxuoso condomínio particular, apresenta variações significativas dos hábitos, práticas e atos, distintas da realização do cotidiano dos bairros periféricos. O futebol jogado nas ruas evidencia uma destas tantas variações na miséria cotidianamente vivida. Não nos resta dúvida da catástrofe generalizada que os desígnios da mercadoria acarretam na sobrevivência cotidiana (a ponto de ser totalmente impossível falar em vida propriamente dita), porém faz-se necessário a compreensão das peculiaridades e das diferenças na forma com que essa catástrofe se anuncia e se realiza. A burguesia e o capitalismo têm, desde agora, muita dificuldade para dominar seu produto e seu meio de dominação: o espaço. Eles não podem reduzir a prática (o prático-sensível, o corpo, e a prática sócio-espacial) ao seu espaço abstrato. Contradições novas, as do espaço surgem e se manifestam. (LEFEBVRE, 1986:100) Parte I O futebol contra o jogo 13 A "sucção da subida", a prontidão e o futebol tornando-se brasileiro Jogo, logo sou. (GALEANO, 1995:242) 1 No final do século XIX as práticas lúdicas passam a ser sistematicamente enquadradas na condição de esportes. O ideário mens sana in corpore sano ganha força e avança atrelado ao processo de industrialização e modernização fazendo com que o jogo e a atividade física se voltem para a finalidade de moldar e preparar o corpo e a mente para maiores rendimentos mundo do trabalho. O esporte, sua sistematização, se desenvolve imbricado à complexificação do mundo do trabalho tendo como objetivo preparar o corpo para a produção e não mais exclusivamente como distração. É nesse contexto que as práticas esportivas adentram as escolas, e entre elas o futebol aparece como uma das possibilidades de "educar" e "trabalhar" o corpo. Os jesuítas tiveram uma papel decisivo nesta introdução tanto nas escolas da Europa, quanto nas escolas brasileiras, e o futebol chega ao Brasil exatamente com os intuitos descritos acima: Na Inglaterra, aceitando uma recomendação do padre, os jesuítas de Itu conheceram o futebol jogado na Harrow School. Depois foram à Alemanha, onde os educadores utilizavam o esporte em paralelo à ginástica alemã. É importante notar que, em várias regiões da Europa, também haviam sido jesuítas os pioneiros na introdução do futebol, como fora o caso, por exemplo, a partir de 1880, do Colégio Jesuíta de Ultrecht, núcleo disseminador do futebol na Holanda. (SANTOS NETO, 2002:18) Incentivados por Rui Barbosa os jesuítas excursionam à Europa em busca de atividades físicas modeladoras do corpo e da mente. Quando voltam ao Brasil, passam a introduzir nas escolas brasileiras as práticas esportivas, entre as quais o futebol, que lá se realizavam. Assim, o futebol adentra o Brasil com a finalidade de dar aporte ao desenvolvimento da nação, dando apoio ao aprimoramento físico que passaria a ser praticados nas escolas. O Colégio São Luís, sediado em Itu, depois transferido para São Paulo, foi 14 pioneiro na introdução do futebol na instituição escolar: O responsável por essas adaptações foi um jesuíta europeu que tomara parte na excursão: José Mantero. Futuro reitor do colégio, Mantero estabeleceu, entre os anos de 1880 e 1890, o conjunto de práticas esportivas a que meninos e rapazes seriam submetidos, entre as quais estava o futebol. [...] Até 1887, padres e alunos jogavam juntos. Mas não praticavam o chamado association football, que pressupõe a formação de dois times e a existência de um conjunto de regras, mas sim um bate bola na parede, chamado de 'bate bolão'. Isso fazia parte de uma estratégia gradual de apresentação do esporte aos alunos. Em seguida, os padres faziam duas pequenas marcas em paredes opostas do pátio e dividiram a turma em dois times, camisas verdes de um lado e camisas vermelhas de outro.
doi:10.11606/d.8.2011.tde-12092012-124254 fatcat:5jq6mdtl5bevrdzwvavci7aacy