Automedicação
2001
Revista da Associação Médica Brasileira
A automedicação é uma prática bastante difundida não apenas no Brasil, mas também em outros países. Em alguns países, com sistema de saúde pouco estruturado, a ida à farmácia representa a primeira opção procurada para resolver um problema de saúde, e a maior parte dos medicamentos consumidos pela população é vendida sem receita médica. Contudo, mesmo na maioria dos países industrializados, vários medicamentos de uso mais simples e comum estão disponíveis em farmácias, drogarias ou
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... e podem ser obtidos sem necessidade de receita médica (analgésicos, antitérmicos, etc). Debate-se se um certo nível de automedicação seria desejável, pois contribuiria para reduzir a utilização desnecessária de serviços de saúde. Afinal, dos 160 milhões de brasileiros, 120 não têm convênios para assistência à saúde. A decisão de levar um medicamento da palma da mão ao estômago é exclusiva do paciente. A responsabilidade de fazê-lo depende, no entanto, de haver ou não respaldo dado pela opinião do médico ou de outro profissional de saúde. Para encurtar os caminhos para a obtenção do alívio dos incômodos que o afligem, em inúmeras ocasiões, diante de quaisquer sintomas, especialmente os mais comuns como aqueles decorrentes de viroses banais, o brasileiro se vê, de pronto, impulsionado a utilizar os medicamentos populares para gripe, febre, dor de garganta, etc; ou a procurar inicialmente orientação leiga, seja dos amigos íntimos ou parentes mais experientes ou até mesmo do farmacêutico amigo, à busca de solução medicamentosa ("vou lá na farmácia do Sr. Paulo para tomar uma injeção para gripe"). A mídia televisiva e vários outros meios de comunicação e propaganda como o rádio ou "outdoors" insistem com seus apelos a estimular a todos a adotar tal postura, inserindo no final da propaganda a sua tradicional frase "persistindo os sintomas um médico deve ser consultado", como se isso os isentasse de toda e qualquer responsabilidade. Antes esta advertência do que nenhuma. No Brasil, embora haja regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a venda e propaganda de medicamentos que possam ser adquiridos sem prescrição médica, não há regulamentação nem orientação para aqueles que os utilizam. O fato de se poder adquirir um medicamento sem prescrição não permite o indivíduo fazer uso indevido do mesmo, isto é, usá-lo por indicação própria, na dose que lhe convém e na hora que achar conveniente. Dados europeus indicam que, em média, 5,6 pessoas por farmácia e por semana fazem uso indevido de algum tipo de medicamento. Em nosso país, a extensão da automedicação não é conhecida com precisão, mas apenas em caráter anedótico ou por meio de levantamentos parciais e limitados. A Pesquisa por Amostragem Domiciliar de 1998 do IBGE oferece alguns elementos de informação. Entre as pessoas que procuraram atendimento de saúde, cerca de 14% adquiriram medicamentos sem receita médica; percentual que parece muito subestimado, talvez em função da pesquisa não ter sido desenhada com a finalidade de avaliar a automedicação. As razões pelas quais as pessoas se automedicam são inúmeras. A propaganda desenfreada e massiva de determinados medicamentos contrasta com as tímidas campanhas que tentam esclarecer os perigos da automedicação. A dificuldade e o custo de se conseguir uma opinião médica, a limitação do poder prescritivo, restrito a poucos profissionais de saúde, o desespero e a angústia desencadeados por sintomas ou pela possibilidade de se adquirir uma doença, informações sobre medicamentos obtidos à boca pequena, na internet ou em outros meios de comunicação, a falta de regulamentação e fiscalização daqueles que vendem e a falta de programas educativos sobre os efeitos muitas vezes irreparáveis da automedicação, são alguns dos motivos que levam as pessoas a utilizarem medicamento mais próximo. A associação de saúde como uso de medicamentos faz com que os pacientes abusem das drogas. Os profissionais da área de saúde devem orientar os pacientes e os seus familiares no sentido de evitar os abusos dos medicamentos ("overuse") pelos eventos adversos. Com o fator limitante do tempo, há uma deterioração nas consultas médicas e "não fazer" consome mais tempo que "fazer", isto é, não solicitar exames nem prescrever medicamentos de validade duvidosa obriga ao médico um esclarecimento a respeito da conduta expectante. É necessário também voltar os olhos para o passado remoto e lembrar que à arte de curar juntam-se muitos outros ingredientes compostos por crenças e tradições populares que se confundem com as propriedades curativas de muitas plantas silvestres.
doi:10.1590/s0104-42302001000400001
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