A armadilha da timidez
Paulo H. Sandroni
2004
GV-executivo
eynes observou certa vez que nem sempre o aumento da oferta de moeda provoca uma queda na taxa de juros. Às vezes, o único efeito é ampliar a liquidez. A razão: se o distinto público acreditar que os juros estão muito baixos e deverão subir, esperará para investir quando a remuneração for mais suculenta. Enquanto o público aguarda, os saldos monetários permanecem ociosos. O fenômeno foi batizado de liquidity trap, ou armadilha da liquidez. A liquidez aumenta, o dinheiro torna-se fácil, mas os
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... vestimentos e o consumo, como o Pedro Pedreiro, ficam esperando o trem, e a economia não cresce. O Japão manifesta sintomas da doença há mais de 10 anos, embora o problema lá seja mais complexo. Nos Estados Unidos, algo parecido ocorreu depois que a prosperidade dos anos 1990 abriu alas para a recessão e, para evitar o pior, a partir de 2000, o dr. Greenspan enviou as taxas de juros para o subsolo do porão. Mas os americanos resistem a tudo, menos à tentação do consumo, e o crescimento começa a voltar aos poucos, embora no estilo "vôo de pato manco". No Brasil, estamos longe disso, mas talvez tenhamos caído em outra arapuca: a armadilha da timidez. Os mandarins da área econômica têm um medo ancestral da inflação e parecem evitar a redução dos juros. Isso por duas razões: primeiro, para não complicar a rolagem da dívida interna, pois a redução do juro real afugentaria investidores; e, segundo, para não despertar o frenesi do consumo. Este último, como se sabe, pode atrair o dragão da maldade, conhecido pelos mais íntimos como inflação. A economia vai ao ponto do pré-congelamento, para que a febre baixe. O objetivo é alcançado, mas o organismo econômico entra em coma, ou quase. Terminado o ano de carência de 2003, com o retrocesso do PIB, recomeçam as cobranças: e os 10 milhões de empregos prometidos? E o crescimento econômico? No interior do governo, dois times se enfrentam: de um lado, os "efeitos pirotécnicos"; de outro, a "visão cosmogônica". Os primeiros desejam resultados agora, a curto prazo: juros mais baixos, empregos, crescimento do PIB, embora tolerem uma inflação mais elevada. Ao contrário, os técnicos da "visão cosmogônica" acreditam que a inflação é como a dengue: vacilou, voltou. O combate tem de ser permanente, prioritário, paciente, de longo prazo. Pensam no exaustivo campeonato, e não apenas no jogo do fim de semana eleitoral. O time da visão cosmogônica está ganhando de 1 x 0 . Gol contestado, pois, antes de entrar, a bola resvalou no juiz. A torcida está indignada com o jogo, tímido, feio e retranqueiro, e já começa a pedir a cabeça do "professor". Os cartolas da "visão cosmogônica" fazem declarações de apoio ao técnico, e assim o tempo vai passando e a grande pergunta é sobre se o público, desiludido, irá esvaziar os estádios ou azucrinar a vida da cartolagem.
doi:10.12660/gvexec.v3n2.2004.34807
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