Pode um mito salvar? Cristo em Espinosa

João Diogo R. P. G. Loureiro
2019
O presente texto constitui uma tímida vindicação da abordagem straussiana ao Tratado teológico-político [TTP] de Espinosa. Parte-se aqui da tensão entre a salvação tal-qual descrita na Ética e o dogma da salvação pela obediência de que Espinosa diz no TTP possuir uma "certeza moral". Analisa-se os fundamentos desta, o que desemboca com naturalidade numa discussão do fenómeno profético. O que Espinosa escreve sobre este poucas razões nos deixa para crermos na verdade do conteúdo do anúncio dos
more » ... ofetas. Cristo surge, porém, com uma excepção na história da Revelação. Parece ser possível fazer fé nele, ele a quem Deus se comunicou "de mente para mente". Algumas das dificuldades associadas à figura de Cristo em Espinosa são debatidas, nomeadamente quanto à coerência da natureza da revelação por ele recebida com a epistemologia elaborada na Ética. Com vista a fazer sentido do dogma da "salvação dos ignorantes", voltamo-nos para A. Matheron, que analisou de forma exaustiva todas as hipóteses possíveis de articular o referido dogma com o sistema espinosano. A conclusão é desanimadora: a solução proposta pelo autor não convence e a mais razoável de entre todas as que ele pondera não sobrevive às objecções que contra ela o próprio Matheron dirige. Ante isto, mister é ponderar a hipótese de Strauss, para quem o TTP se desenvolve em dois registos, esotérico e exotérico. A profissão de fé de Espinosa na salvação pela obediência pertenceria a este último.
doi:10.34624/fb.v0i15.2161 fatcat:wsmm2ipqpbbbbbdg4alqr5uhl4