O problema da ordem
Rui Pena Pires
2012
Sociologia
Falar de sociedade é o mesmo que falar de padrões nas relações sociais e nos comportamentos humanos. Ou seja, quando se admite que há algo a que chamamos sociedade é porque se admite que a vida social não é caótica mas ordenada, que existem regularidades nos comportamentos e nas interações observáveis, que as reações de outros aos nossos atos são em geral previsíveis. Por outras palavras, reconhecemos a sociedade na ordenação da vida humana. Se pensarmos um pouco, aquela ordenação constitui um
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... nigma. As sociedades humanas são compostas por indivíduos que têm como propriedades específicas a autonomia, a criatividade, o livre-arbítrio. São esses indivíduos que nos seus atos e relacionamentos constituem sociedade. Pergunta: como se explica a emergência de padrões ordenados de atos e relacionamentos protagonizados por indivíduos autónomos, criativos e livres? E, segunda pergunta, que consequências têm sobre esses indivíduos aqueles padrões de atos e relacionamentos que se constituem, por sua vez, em contextos e meios da sua atividade? A resposta a estas questões, que podemos resumir como o "problema da ordem", constitui um dos objetivos nucleares da sociologia, em particular da teoria sociológica geral, qualquer que seja a tradição teórica considerada (Pires, 2007: 15). A utilização da expressão "ordem social" para referir o objeto da sociologia gera frequentemente três tipos de objeções que assentam em equívocos fáceis de esclarecer. São eles os equívocos da reprodução, do consenso e do determinismo. Em primeiro lugar, o centramento no problema da ordem não é sinónimo de atribuição de prioridade ao estudo da reprodução sobre o estudo da mudança social. Por um lado, porque a mudança não é a passagem da ordem ao caos, mas a substituição de um sistema de ordem por outro sistema de ordem. Por outro, porque é possível identificar, nos próprios processos de mudança, padrões (isto é, processos ordenados) de transformação, os quais devem ser analisados e explicados. Em segundo lugar, valorizar o estudo da ordem não significa valorizar o consenso social em detrimento do conflito. Antes de mais, porque só é possível analisar e explicar os conflitos por referência às características da ordem social que naqueles processos são objeto de contestação. Depois, porque os conflitos não só são eles próprios processos ordenados, isto é, com propriedades gerais identificáveis, como induzem dinâmicas de organização intensas em cada uma das partes em oposição. Por fim, porque a definição de ordem como o oposto de caos, em termos estritamente factuais, não requer a ideia de consenso. A ordem tanto pode ser estável como instável, baseada na cooperação como na dominação e no conformismo, na responsabilidade moral como no interesse instrumental, no consenso como no confronto regulado, na semelhança como na variedade. Identificar e explicar os fundamentos e dinâmicas da ordem constitui, exatamente, um dos objetivos da SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n.º 69, 2012, pp. 31-45.
doi:10.7458/spp201269785
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