A autonomia financeira dos estados no federalismo brasileiro: a alteração de competências tributárias estaduais em face da cláusula pétrea [thesis]

Elcio Fiori Henriques
sob orientação do Professor Associado Heleno Taveira Torres. FACULDADE DE DIREITO DA USP SÃO PAULO 2013 Banca Examinadora ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ RESUMO No Estado federal, o poder decorrente da soberania, na promulgação da Constituição, distribui competências entre os entes da federação, os quais passam a deter
more » ... mia legislativa para as matérias de sua competência, exercidas pelos seus governos próprios. Essa autonomia tem como pressuposto a existência de fontes de recursos independentes, bem como a possibilidade de escolher livremente a aplicação de seus gastos, prerrogativas que integram o conceito de autonomia financeira. A interpretação das limitações impostas ao poder reformador pelo artigo 60, § 4 o , inciso I, da Constituição de 1988 divide a doutrina jurídica ao proceder à análise da alteração de competências tributárias legislativas dos Estados-membros, especialmente no tocante à constitucionalidade da modificação que limitaria a autonomia financeira desses entes e, em razão disso, tenderiam a abolir a forma federativa de Estado. Sob os pressupostos da teoria do positivismo jurídico metódicoaxiológico, selecionada como guia para o presente trabalho, foi construída a fundamentação jurídica do princípio federativo na Constituição brasileira, para, então, desenvolver a análise de cinco hipóteses de alteração de competências tributárias dos Estados. As conclusões obtidas foram que (i) a exclusão integral das competências tributárias legislativas dos Estados constituiria uma violação da autonomia financeira destes, sendo vedada sua validade no ordenamento atual; (ii) a exclusão da competência legislativa para apenas um dos impostos seria vedada, salvo situações excepcionais concernentes a competências funcionalmente secundárias; (iii) a constitucionalidade da redução do critério material de incidência de um imposto de competência legislativa dos Estados deve ser verificada de acordo com a eficácia da supressão em face dos objetivos firmados, bem como diante da disponibilidade de meios alternativos de obter tais desígnios; (iv) a exclusão ou mitigação da competência tributária legislativa para fixar alíquotas dos tributos privativos é vedada, sendo permitida a existência de patamares mínimos e máximos para essas alíquotas; (v) a exclusão da competência legislativa para conceder benefícios fiscais é vedada, sendo permitido que essa matéria seja objeto de restrições relativas à necessidade de deliberação coletiva pelos Estados. ABSTRACT In the Federation, the power from the sovereignty, in the enactment of the Federal Constitution, allocates the levels of authorities amongst the federative members, which have legislative independence to the matters under their responsibility, exercised by their own government. Such independence is based on the assumption that independent resources are available, as well as that the costs can be freely incurred, comprising the definition of financial autonomy. The interpretation of the limitations established in article 60, paragraph 4, I, of the Federal Constitution of 1988, divides the legal science with respect to the legislative tax powers of the Member States, specifically with respect to the constitutionality of amendments that would limit their financial independence and, accordingly, would discontinue the federative view. Based on the methodic and axiological legal positivism, on which this work is developed, the legal justification of the federative principle of the Brazilian Constitution was proposed with a view to develop the analysis on the five alternatives related to the tax responsibilities of the States. The conclusions reached were that (i) the full exclusion of the legislative tax powers of the States would represent a violation against their financial autonomy, not allowed under current constitution; (ii) the exclusion of the legislative powers with respect to one of the taxes would not be permitted, except for extraordinary events of secondary relevance; (iii) the constitutionality of the reduction of the tax bases under the legislative powers of the States must be verified in accordance with the respective effectiveness of such tax based on the purposes agreed, as well as according to the availability of alternative means for such; (iv) the exclusion or mitigation of the tax powers to define the rates of the exclusive taxes is not permitted, but the minimum and maximum levels thereof are allowed; (v) the exclusion of the legislative powers to grant the tax benefits is not permitted; and such matter could be subject to the restrictions related to the need of collective approval by the States. Keywords: federalismfinancial autonomytax legislative powersconstitutional reformentreched clause. ZUSAMENNFASSUNG Im föderalistischen Staat werden aufgrund der von der Verfassung zugesicherten Selbstsbestimmung den Föderationsmitgliedern Befugnisse zugestanden, so dass diesen die gesetzliche Selbstbestimmung eingeräumt wird für die Dinge innerhalb ihres Hoheitsbereichs, augeübt durch die jeweiligen Regierungen. Diese Autonomie hat als Voraussetzung das Vorhandensein unabhängiger Einnahmequellen, sowie die Möglichkeit, frei über die Anwendung ihrer Ausgaben zu bestimmen, ein Vorrecht, das ein Bestandteil der finanziellen Autonomie darstellt. Bei der Interpretation der dem Machtträger durch den Artikel 60 Paragraph 4, I der Verfassung von 1988 gestellten Begrenzungen teilt sich das Rechtsverständnis, wenn es um Analyse der Veränderung der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz der Mitgliedsstaaten geht, insbesondere was die Verfassungsgemäßheit der Veränderung betrifft, die die finanzielle Autonomie der Föderationsmitglieder begrenzt, was dazu führen würde, dass die föderative Form des Staates abgeschafft würde. Laut den Voraussetzungen der Theorie des methodologischen Rechtspositivismus, die als Grundlage für diese Arbeit gewählt wurde, wurde die juristische Grundlage des föderativen Prinzips der brasilianischen Verfassung aufgebaut, um danach die Analyse der fünf Hypothesen der Veränderung der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz der Bundesländer durchzuführen. Die erlangten Schlussfolgerungen waren: (i) die vollständige Ausschaltung der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz der Länder stellt eine Verletzung der finanziellen Autonomie derselben dar, was innerhalb der bestehenden Ordnung unzulässig; (ii) die Ausschaltung der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz bezüglich nur einer der Steuern ist unzulässig, ausgenommen außerordentliche Situationen, die funktional sekundäre Befugnisse betreffen; (iii) die Verfassungsgemässheit der Verringerung des materiellen Kriteriums für die Erhebung einer Steuer, die innerhalb der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz der Länder liegt, muss untersucht werden im Verhältnis zu der Wirksamkeit der Aufhebung angesichts der festgelegten Ziele sowie des Vorhandenseins von alternativen Mitteln zur Erreichung jener Ziele; (iv) Die Aufhebung oder Einschränkung der steuerlichen Gesetzgebungskompetenz zur Festlegung von Steuersätzen landeseigener Steuern ist unzulässig, wobei das Vorhandensein von Minimal-und Höchstgrenzen für dieselben zulässig ist; (v) Die Ausschaltung der Gesetzgebungskompetenz zur Gewährung von Steuervergünstigungen ist unzulässig, wobei erlaubt ist, dass dieses Thema Gegenstand ist von Einschränkungen bezüglich der Notwendigkeit von gemeinsamer Beschlussfassung seitens der Länder. Schlüsselwörte: Föderalismus finanzielle Autonomie -Steuerkompetenz -Verfassungsänderung. Até o século XVI, o direito natural fundamentava-se, basicamente, na vontade de Deus, inexistindo separação nítida entre direito, religião, moral e política 50 . Essa fase, chamada de jusnaturalismo teológico, caracteriza-se por colocar a Igreja como elo entre o direito natural e divino e o empírico, já que só essa Instituição religiosa poderia fazer uma interpretação genuína da vontade de Deus 51 . A apoiar a ascensão do Estado como instância jurídica máxima e o fim do poder secular da Igreja, exsurge SAMUEL PUFENDORF, defensor da separação, na ética, das esferas moral, jurídica e religiosa, inaugurando o critério exterioridade-interioridade de diferenciação. O jusnaturalismo teológico é ultrapassado pelo jusnaturalismo antropológico ou racional 52 , que não nega a fonte divina do direito, mas o considera acessível à razão humana, que também passa a ser tida como fonte do direito 53 , com o propósito de suprimir a vontade divina como base para o direito 54 . 50 Cf. ADEODATO, João Maurício Leitão. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3. ed., p. 125. Segundo ADEODATO, essa sociedade poderia ser classificada como primitiva ou indiferenciada, pois os atos imorais confundiam-se com os ilícitos, inexistindo consciência da diferença entre o direito que acontece na comunidade daquele "criado pela natureza", algo que só se encontra nas sociedades complexas ou diferenciadas (ibidem, loc. cit.). 51 Ibidem, p. 126-127. Com a ascensão da Igreja, como herdeira da autoridade do Império Romano, seu ordenamento passa a se sobrepor sobre os demais, abrangendo, inclusive, competências jurídicas, o que formou um ambiente relativamente indiferenciado, no qual a Igreja abarca a realidade espiritual e mundana, estendendo seu poder temporal sobre toda a esfera ética. Essa fase é alcunhada de irracionalista, pois, embora se aceite que o direito dos homens e o de Deus são diversos, os homens não poderiam conhecer os desígnios superiores. SANTO AGOSTINHO, e.g.., esclarece que não se pode compreender por que Deus salva alguns pecadores, sustentando que o Estado não deve se imiscuir nos assuntos religiosos. Separa-se definitivamente a "cidade dos homens" da "cidade de Deus", que será definitiva na cultura ocidental (ibidem, p. 126-127). 52 Ibidem, p. 112/127. No âmbito do jusnaturalismo teológico, conforme ensinava SÃO TOMÁS DE AQUINO, o direito divino por natureza (lex aeterna) permaneceria intangível, contudo o direito divino por participação (lex naturalis) seria a inspiração do direito positivo (lex humana), por meio daquilo que este captaria daquele (porém, essa motivação seria mediada por uma revelação dada apenas pela Igreja). A lex humana, por sua vez, era a explicitação em forma de regulação jurídica da lex naturalis, que, seria a parte apreensível pela razão humana da lex aeterna (incognoscível pelo homem, mas que configuraria a essência de toda regulação humana). Já no jusnaturalismo racional almeja-se uma base racionala função imperativa do direito (cf. AQUINO, São Tomás de. Treatise on law. The Summa Theologica. Questions 90-108. v. II. Trad. Padre Laurence Shapcote. Chicago: Enciclopédia Britânica, 1990, p. 208 e ss. (Col. Great Books of the Western World, v. 18.). In: ADEODATO, João Maurício Leitão. Op. cit., p. 112/127). 53 Cf. ADEODATO, João Maurício Leitão. Op. cit., p. 127-128. 54 Ibidem, p. 112. 32 A imutabilidade do direito natural, um postulado até então aceito, é agora questionada por IMMANUEL KANT, dando origem ao jusnaturalismo democrático e trazendo à tona a questão de que haveria um conteúdo empírico e variável no direito que tornaria impossível uma ordem jurídica una para todo tempo e lugar, ainda que fosse único o conceito de direito 55 . Desloca-se a ênfase da origem divina para a razão humana, fundando-se as bases de uma cultura laica, a qual seria consolidada a partir do século XVII. Referida corrente parte do princípio da igualdade entre os homens, para estabelecer que, em havendo qualquer discordância entre eles a respeito de questões cruciais, a maioria deterá legitimidade para decidir sobre conflitos; por consequência, ela se confronta com o absolutismo. Nesse sentido, centrando-se no antropocentrismo e na investigação científica, aprofunda-se a separação entre a fé e a razão, esta entendida como único meio de o homem alcançar o conhecimento. Logo, o jusnaturalismo é a filosofia jurídica que se liga à revolução intelectual iluminista do século XVIII 56 . A crença de que o homem teria direitos naturais, fundamentalmente relacionados à liberdade, esteve presente nas revoluções liberaisa Revolução Francesa, em 1789, e a Revolução dos Estados Unidos, que conduziu o país à independência, em 1776 -, tendo sido defendida por autores emblemáticos como HOBBES, JOHN LOCKE e ROUSSEAU. Ela também esteve presente no movimento oitocentista de codificação e, com o advento do Estado Liberal, encontrou seu apogeu, em decorrência da consolidação de ideais em textos constitucionais e da incorporação dos chamados direitos naturais ao ordenamento positivo. Por isso, também representou o declínio do jusnaturalismo diante do positivismo jurídico 57 . De fato, o jusnaturalismo democrático, que acabou prevalecendo em face das demais variantes jusnaturalistas, já possuía uma característica positivista, pois se fundava em um dado empírico, qual seja, "a maioria". Por isso, representa a passagem ao positivismo, porque não sustenta, em rigor, um conteúdo jurídico prévio, mas tão somente que a decisão seja tomada pela maioria, de sorte que o produto da decisão dessa maioria já seria legítimo 55 Cf. ADEODATO, João Maurício Leitão. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3. ed., p. 128. 56 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 321.
doi:10.11606/t.2.2016.tde-16092016-120934 fatcat:j6n63x2v6bhtpnjorho6zyik3q